A arte como lugar arquitectónico

Como é que um conjunto de artistas entende o que é a arquitectura e para que arquitectura olham enquanto lugar natural das suas obras?

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O ninho suspenso num tripé de metal (Rui Chafes, Abrigo, 2016) FOTO: Antonio Jorge Silva
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A relação arte-arquitectura conheceu múltiplas variações e expressões. Na contemporaneidade assistiu-se ao crescimento de um fascínio da arte pela arquitectura que não se limita a um cruzamento ocasional mas, em alguns casos, a uma redefinição dos dois domínios a partir dessa proximidade. Podia-se fazer a história dessa relação e mostrar que ela tem diferentes modalidades: na colaboração entre um artista e um arquitecto; na utilização que a arquitectura fez das experiências artísticas com materiais, formas e tipologias; e na apropriação feita por artistas de ideias e detalhes arquitectónicos autonomizando-os, estetizando-os e tornando-os obras de arte.

A exposição comissariada pelo arquitecto José Neves não pretende contar nenhuma história, nem elaborar um ponto de situação dessa relação. A premissa é mostrar como um conjunto de artistas entende o que é a arquitectura e para que arquitectura olham enquanto lugar natural das suas obras e não como meras curiosidades intelectuais-artísticas-biográficas. O que torna esta exposição um caso especial é ser construída por peças trazidas pelos próprios artistas que o curador convocou e, portanto, não obedecer à fixação de um ponto de vista ou tese. O percurso constrói-se a partir de uma variedade de elementos formais, materiais e conceptuais.

A relação entre as diferentes famílias de coisas não é de ilustração, de confronto, nem tão pouco uma espécie de sucessão de curiosidades, mas trata-se de um face-a-face com a vantagem de fazer conviver elementos  diferenciados. É o caso de um ninho suspenso num tripé de metal (Rui Chafes, Abrigo, 2016) e da Casa Azuma do arquitecto Tadao Ando trazida por Chafes; o jazigo dos Duques de Palmela (1848) de Giuseppe Cinatti e um conjunto de fotografias a mostrar os acontecimentos escultóricos que existem espontaneamente no mundo trazidos por José Pedro Croft; a relação estabelecida por Vera Mantero entre um mapa do seu método criativo e o Teatro de Epidauro (séc. IV A.C.); e o vaso Sotades Astragalus (470 A.C — 450 A.C) que é uma cerâmica com a forma de um osso (Astragalus), mostrando uma figura masculina, talvez Aeolus à entrada da sua caverna dirigindo a dança das nuvens, a que Francisco Tropa juntou um bronze pintado de branco (evocativo da forma do osso Astragalos que é o osso do tornozelo) e uma estrutura de gaiola a evocar uma espécie de pórtico de um templo mas onde permanece a forma do pé humano a mostrar (cremos) a pertença da arquitectura ao mundo dos instrumentos humanos, criados enquanto extensões do corpo.

Entre todas há uma espécie de relação natural que poderia ser entendida como um prolongamento natural da arte na arquitectura, mas o que se descobre com esta exposição é que a relação arte e arquitectura, não sendo operativa ou pragmática, funciona enquanto tensão criativa que é comum nos dois campos. Como o título indica, trata-se de procurar a arquitectura dos artistas e não tentar desenvolver uma qualquer leitura dessa relação nas obras dos artistas seleccionados. Por isso, os arquitectos e os projectos apresentados surgem numa espécie de segundo plano: aqui os artistas servem-se da arquitectura como elementos das suas obras, ou seja, é na medida que as diferentes arquitecturas se inserem nas preocupações formais e conceptuais dos artistas que povoam esta exposição. Três desses casos de afinidade natural são o do cineasta Pedro Costa, o do fotógrafo Paulo Nozolino e o do artista plástico Ricardo Jacinto: no primeiro é o filme No Quarto da Vanda e o Bairro das Fontainhas que são os seus lugares e são-nos através da relação natural do realizador com aquele bairro, casas e atmosfera; no segundo caso surge uma roulote enquanto objecto fotográfico, inserido no trabalho deste fotógrafo acerca da migração e da deslocação; Ricardo Jacinto que trouxe uma Câmara Anecóica que lhe serviu como matéria de trabalho.

Independentemente das surpresas e interessantes relações, a exposição não consegue preencher a expectativa em torno dos projectos expostos na sua relação com os trabalhos artísticos: falta a indicação de contexto sobre a razão da junção deste notável conjunto de objectos, obras, desenhos, filmes. Questão talvez resolúvel no programa de conversas agendado que é um elemento axial deste projecto, porque só nesse confronto discursivo será possível traçar a topografia do interesse tão acentuado que os artistas têm pelas coisas da arquitectura vendo como não se trata de uma questão de curiosidade, mas algo de ordem metodológica em que os artistas se reencontram e que, de algum modo, mostra a arte como lugar arquitectónico.

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