Portugal desaguou todo em Águeda, mas mesmo assim o fogo teimou em não ceder

Ao quinto dia, o fogo que começou em Águeda galgou para o concelho vizinho de Sever do Vouga. As chamas já terão destruído mais de 7000 hectares.

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Incêndio que começou em Águeda já vai a caminho do sexto dia. Rui Farinha/NFactos
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Os dilemas sucediam-se a um ritmo alucinante na vida de Jorge Lopes. Os cabelos brancos do empresário de 63 anos não têm memória de uma aflição igual. O fogo que começou na madrugada de segunda-feira em Préstimo, Águeda, teima em não ceder e galgou nesta sexta-feira para o concelho vizinho de Sever do Vouga, onde as chamas se preparavam para lhe bater à porta. Não fosse a sua empresa, a JML, uma firma de energia, abastecedora de gás, e o problema não seria tão bicudo.

Mas era. O armazém-fábrica da empresa, na localidade de Doninha, fica mesmo colado a um eucaliptal, onde as chamas entraram sem pedir licença. E dentro da empresa havia centenas de botijas de gás. Os bombeiros garantiam que a empresa não estava em risco, mas o fumo mostrava o fogo a progredir. Inicialmente parecia que seria contido pela A25. Mas a auto-estrada não chegou para travar a sua força. Era assim há cinco dias e Jorge sabia-o. Por isso, preferiu não arriscar.

Às 18h40, um camião cruzou os portões da empresa para transportar um atrelado gigante, com mais de 300 botijas de várias cores e feitios, que ficariam temporariamente pousadas no largo da feira. A essa hora já Sandra Ladeira, 39 anos, cortara grande parte dos eucaliptos jovens que existiam junto à sua casa. O terreno junto à moradia onde vive com o marido e os dois filhos não é seu. Mas o proprietário, que tinha estado no local nesta sexta-feira, decidira regressar a casa e, perante a emergência, Sandra decidiu tomar as rédeas da situação. Cortou o que tinha a cortar, mesmo sem o aval do dono. “É a minha casa em risco. E temos a obrigação de proteger o que é nosso”, justificava.

Nessa altura, ainda só havia uma viatura de combate a incêndios no local. E os bombeiros não pareciam muito preocupados. Primeiro era preciso perceber se o fogo tinha ou não galgado a A25 e se, de facto, se encaminhava para ali, como o fumo parecia indicar. Um jipe da GNR chega de rompante e recolhe Joaquim Ascênsio, chefe nos Voluntários de Sever do Vouga e bombeiro há 42 anos. Aproveitamos a boleia. Numa condução destemida, o militar entra pela floresta adentro à procura das chamas. A suspensão do jipe queixa-se dos maus-tratos, mas respeita a vontade do condutor.

Encontramos a frente de fogo uns 500 metros à frente. Mesmo dentro do jipe, sentimos o calor das chamas. As dúvidas dissipam-se. O incêndio já tinha passado a A25, que chegou a estar cortada entre o troço de Talhadas e Carvoeiro. A mensagem é passada a todos e pouco depois já há mais dois veículos de combate no local. Sem grande proveito, já que a estratégia passava por um fogo táctico que exigia paciência para ser posto em prática.

O stress da família de Sandra e de Jorge contrastava com a postura dos bombeiros, sentados no chão na estrada que entrava pela floresta dentro. Alguns até aproveitavam para matar a traça e fumar um cigarro, ignorando o conselho tantas vezes repetido pela protecção civil ao longo do Verão. “É uma maneira de descontrair um bocadinho”, justificava o voluntário, que pediu para não ser identificado. E lembrava que o risco de incêndio já não podia ser evitado, porque já se tornara uma realidade. Conta que há precisamente uma semana saíra para combater incêndios e só na quinta-feira à noite voltara a casa. O cansaço já pesava em todos e isso teve impacto na decisão de esperar pelas chamas.

Quando se viu o fogo ao longe, quem comandava as operações mandou plantar um fogo táctico, que impedisse que as chamas chegassem com força. A ausência de vento ajudava. Os bombeiros usavam o principal inimigo em seu proveito. E como esperavam, as chamas desciam sem grande pressa e de forma controlada. Nem a fábrica de Jorge nem a casa de Sandra foram afectadas. Feridas só mesmo na floresta.

A ausência de feridos graves e de casas ardidas era destacada umas horas antes no posto de comando pelo comandante do Agrupamento Distrital do Sul, Elísio Oliveira, o quarto homem a liderar a guerra contra este fogo. Quando chegou ao teatro de operações, na quarta à noite, o incêndio tinha oito frentes activas. Quinta e sexta já só contava com quatro. “Este é um incêndio atípico, devido à orografia do terreno e às condições do vento. Cada frente apresenta diferentes linhas de fogo, muitas com um comportamento errático”, justifica Elísio Oliveira. “Vai ser um trabalho muito moroso”, avisava.

Também no posto de comando, o presidente da Câmara de Águeda, Gil Nadais, já interiorizava que não seria nesta sexta-feira que se despediria deste incêndio. Isto ao início da tarde, ainda a situação não se complicara em Doninhas e Talhadas. Lamentava que já tivesse ardido metade da área do concelho e que ao longo de cinco dias mais de 200 casas tivessem estado em risco. Mais de sete mil hectares destruídos, segundo a contabilidade do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais, que, através de imagens de satélite, contabiliza quase em tempo real a área ardida.

Três Canadair, um de Itália e dois de Marrocos, tinham estado de manhã a dar o seu contributo nesta guerra, mas não fizeram cair o inimigo. Este sábado talvez se possa contar com um reforço: os dois aviões pesados russos, os Beriev Be-200 Altair com capacidade para transportar até 12 mil litros de água, com chegada prevista a Portugal nesta madrugada.

Mas o incêndio terá que disputar meios com outras ocorrências importantes. Mesmo assim, ao fim do dia, o panorama dos fogos tinha acalmado. Às 23h só se contabilizavam cinco fogos importantes, Águeda incluído. Dois no distrito de Aveiro e um nos distritos de Vila Real, Viseu e Porto. Destes, só o incêndio de Águeda apresentava quatro frentes activas àquela hora, apesar dos mais de 400 operacionais no terreno. Eram tantos e de tantos lados que, por vezes, quem cruzava as estradas da região até se esquecia de onde estava. Corporações de todo o Algarve, do Alentejo, de Lisboa, de Setúbal, de Santarém e da Guarda. Parecia que Portugal inteiro desaguara ali. E, mesmo assim, o fogo teimava em não ceder.

Neste sábado de manhã, o fogo continua a lavrar em Águeda e Arouca

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