Star Wars, A Guerra dos Tronos e os riscos do “Brexit” na produção audiovisual inglesa

Grandes produções internacionais passam pelo Reino Unido mas independentes serão os mais afectados num sector cujas regras de operação vão mudar – não se sabe quando, nem como.

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“Devastados”, “derrocada”, “menos” produção, negócio e receitas. O “Brexit” está a preocupar uma das mais visíveis indústrias britânicas – a da produção audiovisual. Alterações nos acordos, nos modelos de financiamento, nas co-produções e na distribuição no futuro e as esperadas consequências directas no presente: a desvalorização da libra para os produtores, os preços em euros a subir para os distribuidores. A Guerra dos Tronos parece estar a salvo, mas a produção independente será afectada.

O “Brexit” vem alterar um cenário – não se sabe quando, nem como – que fez com que o Reino Unido tivesse em 2015 gerado 1,4 mil milhões de euros em gastos de produção só em 15 filmes, segundo um estudo da gestora de filmagens FilmLA, e em que em 2014 os produtores estrangeiros gastaram mais de dois mil milhões de euros no Reino Unido com equipas e produção de projectos, de acordo com o British Film Institute. Ainda no ano passado, uma nova directiva – aprovada pela UE – tornou possível aos filmes britânicos ter acesso a um dedução fiscal de 25%, medida que visava melhorar o pacote de incentivos às rodagens no Reino Unido, para criar “centenas de empregos e gerar milhares de milhões para a economia do país”, como disse na altura Adrian Wootton, responsável pela British Film Commission.

O estudo do FilmLA mostra que a Califórnia continua a ser o principal centro de produção mundial em termos do número de filmes mais rentáveis que concentra, mas Star Wars: O Despertar da Força, por exemplo, que custou 275 milhões de euros a fazer (e que teve um incentivo local à produção de 42,6 milhões de euros) e se tornou um dos maiores filmes do ano, foi produzido no Reino Unido. O país tornou-se no ano passado naquele que concentrou filmes de maior orçamento e gastos na tabela. A importância do sector no país é grande e o peso da Europa faz-se sentir a vários níveis. Michael Ryan, o presidente da Independent Film and Television Alliance, considerou esta sexta-feira que o “Brexit” será “devastador” para todas as indústrias criativas britânicas e em particular, disse em comunicado, “um grande golpe para a indústria do cinema e televisão”.

“Produzir filmes e programas de televisão é muito caro e muito arriscado”, explica, e a incerteza em torno das regras que regem o sector é um grande risco para a gestão de projectos. “Rebentou com os nossos alicerces”, disse Ryan sobre o “Brexit”, falando sobre essa incerteza, que chega também a potenciais alterações à taxação da actividade ou às regras de angariação de financiamento.

“Estar na União Europeia (UE) significa que os nossos filmes não são sujeitos a quotas nem a impostos na Europa”, explica a produtora dos filmes de James Bond Barbara Brocolli, numa de várias cartas abertas e apelos ao “remain” que protagonistas do sector, de actores como Benedict Cumberbatch e Keira Knightley a realizadores como Steve McQueen, que se tornaram públicas nas últimas semanas. 

Até agora, a circulação do cinema britânico no mercado europeu faz-se sem obstáculos (representa 40% das exportações do cinema made in UK nos últimos dez anos, como lembra o Guardian), que agora poderão vir a surgir. O mesmo pode acontecer para a televisão. E o cinema independente e as pequenas produtoras serão provavelmente os mais afectados pela saída do Reino Unido da UE. Os seus projectos dependem mais das condições do mercado único e das co-produções e de fundos como o Creative Europe, que financiou 26 filmes presentes este ano no Festival de Cannes, por exemplo, e que apoiou muitos dos filmes mais elogiados dos últimos anos, como frisa o Indiewire. Carol, 45 Anos ou o documentário Amy estão entre os mais recentes e todos foram candidatos aos Óscares. O vencedor da Palma de Ouro, I, Daniel Blake, de Ken Loach foi apoiado pelo Programa Media na sua fase de pré-produção, por exemplo.

Teme-se um agravamento da burocracia, com acordos a lavrar do zero com alguns países europeus, e arrisca-se uma quebra na produção por motivos económicos e, como frisa Leo Barraclough na Variety, pela própria incerteza. Se entre as principais fontes de financiamento da produção no Reino Unido está Hollywood e as co-produções e as receitas vindas da lotaria, também os fundos europeus desempenham um papel importante no mercado. Por um lado, o Programa Media da União Europeia contribui com fundos de peso para a indústria britânica –o Guardian cita números que rondam os 130 milhões de euros em oito anos de actividade e que tocam todas as áreas, dos festivais à distribuição (só nos dois últimos anos, o Programa Media apoiou a distribuição de 84 filmes britânicos com 40 milhões de euros).

Contudo, o país tem vários acordos e funcionamentos à margem do mercado comunitário e o programa Eurimages, que é uma das maiores fontes de financiamento público para o audiovisual europeu, é dos programas de fundos com o qual o país nunca se envolveu.

E se o caso A Guerra dos Tronos é um dos mais citados nos últimos dias, graças à popularidade da série da HBO, e que recebe, para filmagens na Irlanda do Norte (mas também em Espanha, Croácia ou Malta), fundos do Fundo de Desenvolvimento Regional da UE que podem agora ficar em risco, há indicações de que esta pode sair ilesa do “Brexit”. Com a sexta temporada a terminar na próxima semana e as duas restantes em produção este Verão e em 2017, dentro das estimativas de que o país só saíra oficialmente da UE em dois anos há boas probabilidades de tal não acontecer.

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