Cenas de um casamento

Um casamento junta seis amigas em Goa nesta comédia dramática que quer seguir as fórmulas ocidentais e questionar o estatuto da mulher na Índia moderna.

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Se já de si não é habitual que um filme indiano chegue ao circuito português, ainda menos habitual é que esse filme não venha da “fábrica de sonhos” de Bollywood – a estreia de Deusas em Fúria é, por isso, duplamente de notar, embora não forçosamente por razões inteiramente artísticas. No fundo, o que Pan Nalin faz aqui é uma espécie de versão hindu-feminista das modernas chick flicks como Sexo e a Cidade ou A Melhor Despedida de Solteira, reunindo em Goa seis amigas para o casamento de uma delas. Os dramas pessoais e profissionais que alimentam a relação entre elas e dão azo às peripécias da reunião, contudo, ganham uma dimensão adicional, fortemente social e política, pelo estatuto de “segunda classe” que o sexo feminino ainda tem na sociedade indiana e que contra o qual elas se erguem, mais umas com as outras do que em público. Uma das seis é uma esposa-troféu, frustrada com o chauvinismo do marido que só quer que ela pareça bonita; outra é uma empresária que se impõe sendo mais homem que os homens; há ainda uma empregada presa num kafkiano labirinto judicial que protege o patriarcado e uma actriz que se recusa a ser apenas decoração para as vedetas masculinas.

Tudo isto é contado “com o coração nas mãos” como é habitual no cinema de Bollywood, em tom de comédia dramática que não hesita em puxar às lágrimas ou às gargalhadas. Mas se não fosse o exotismo da origem e o activismo pró-feminista do filme, levantando a brincar questões muito sérias sobre os direitos civis e humanos das mulheres, é muito provável que não olhássemos segunda vez para Deusas em Fúria. Apesar da inegável energia das actrizes, que se manifesta também na dimensão “vale tudo” da narrativa, a encenação de Nalin limita-se a deixar-se ir com as peripécias, ora caindo em excesso no teledisco MTV India ora na telenovela de luxo; e o filme quer tanto falar de coisas sérias sem perder a sua dimensão de entretenimento que está sempre à beira de se desintegrar. É difícil não simpatizar com a vontade, artística e interventiva, de Deusas em Fúria, mas é difícil não reconhecer que esse capital de simpatia não compensa as suas muitas fraquezas. 

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