Os Balcãs ao sol

Parece verdadeiro dizer que Fernando Leon de Aranoa não quis bem fazer (mais) um filme sobre os Balcãs e o seu interminável labirinto.

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Um Dia Perfeito: guerra como território propício ao absurdo

Fernando Leon de Aranoa deu-se a conhecer, no princípio da década passada, com um muito simpático filme, “Segundas-Feiras ao Sol”, que tinha pelo menos o condão de abordar o tema do desemprego com uma justeza para além dos estereótipos normalmente associados ao assunto mas sem nunca perder nem a precisão social ou geográfica, nem o propósito. Com a memória desse filme na cabeça, surpreende reencontrá-lo agora nos antípodas disso tudo. Produção “estrangeirada”, falada em inglês, com “cast” cheio de vedetas do cinema americano, e ambientação num contexto bem longe de Espanha: uma região indeterminada da antiga Jugoslávia, no rescaldo do conflito que desmembrou o país.

Parece verdadeiro dizer que Aranoa não quis bem fazer (mais) um filme sobre os Balcãs e o seu interminável labirinto, e que se algum conflito lhe interessa esse conflito é mais o confronto de estranhezas e sensibilidades culturais entre o grupo de estrangeiros que protagoniza “Um Dia Perfeito” e as populações locais, e que, portanto, se há um lado “desenraizado” no filme ele tem correspondência directa (e por certo deliberada) no “desenraizamento” das suas personagens, membros de uma equipa dedicada ao trabalho humanitário, estrangeiros em terra estranha e em circunstâncias extraordinárias. Território propício ao absurdo, também, que não é só o absurdo da guerra ou do pós-guerra, nem é só o absurdo de tantas características da guerra jugoslava, é o absurdo de uma situação caótico, de um país de lei e ordem inoperantes como num “western”, onde a burocracia oficial e as actividades à margem da legalidade coexistem de forma singularmente harmoniosa, e que são uma fonte de humor negro (como quando respondem a Tim Robbins que que não lhe podem dar uma corda porque precisam dela para “enforcamentos”, e ele não sabe se é uma piada ou não). O humor negro tinha ficado, aliás, bem expresso, como signo do filme, na primeira cena, com a tentativa frustrada de remoção de um cadáver de um poço de água potável, e conseguir removê-lo, de forma a tornar o poço utilizável outra vez, é a tarefa que move as personagens e dura o filme todo para ser realizada.

Mas no entanto, e sobretudo a partir do momento em que as personagens e as situações foram todas apresentadas e bem caracterizadas, “Um Dia Perfeito” encosta-se demasiado ao simples desbobinar narrativo e ao elogio do estoicismo “marginal” dos seus heróis, numa série de peripécias dadas sem nenhuma chama especial, e recorrendo até a facilidades apenas ilustrativas (como quando se ouve “Venus in Furs”, dos Velvet Underground, sobre imagens de um jipe a evoluir por uma ziguezagueante estrada de terra) que não chegam a relevar nenhum contraste (neste caso, entre a música dos subterrâneos novaiorquinos e a paisagem balcânica). O filme perde-se aos poucos, resignado a adiar ao máximo a consecução da tarefa que subjaz à sua narrativa - e nesse processo torna-se forçado, como forçado - e dado quase como um videoclip, com mais música - acaba por ser o seu olhar sobre a terra balcânica do pós-guerra. Tem o suficiente para ter um mínimo de interesse, mas não tem nada que justifique ir vê-lo à procura das virtudes que Aranoa demonstrou em “Segundas-Feiras ao Sol”.

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