Percalço ou aviso prévio do Presidente

Marcelo referiu que os maiores agitadores da instabilidade são os críticos, os analistas, os comentadores...

Na passada terça-feira, escapou-lhe (não sei se lhe escapou, pois ele mede tudo bem medido) uma frase que marca uma etapa para avaliar o estado da estabilidade política em Portugal, ou seja, para rever como vai esta coisa da geringonça governativa. E essa meta são as eleições regionais. Nem parece grande novidade, pois o próprio Presidente esclareceu que, no nosso país, é normal fazer-se uma leitura nacional dos resultados das eleições autárquicas. Depois, provavelmente ao percepcionar melhor os efeitos desta previsão, em especial quanto à questão da sempre estremecida es(ins)tabilidade, suavizou a fronteira limite, retomando o empenhamento na garantia da estabilidade. Mas, neste contexto, o Presidente referiu outra ideia (obviamente mais escondida pelos media em geral): os maiores agitadores desta instabilidade são os críticos, os analistas, os comentadores, que não desperdiçam, antes especulam sobre as mais pequenas discordâncias.

Efectivamente, a análise política, económica e social no quotidiano do país continua dividida numa grande dicotomia: aqueles que continuam fieis aos catálogos e regras da UE e aqueles que, por aqui e ali, "jogam" as possíveis defesas de decisões mais consentâneas com a complicada manutenção de um Governo mantido pela esquerda parlamentar. Um programa tipo televisivo que é fundamentalmente europeísta é o Negócios da Semana, da SIC, coordenado pelo jornalista José Gomes Ferreira. O programa é genuinamente a cartilha da CE e quase me apetece dizer, por graça, que a fotografia, há dias, de Gomes Ferreira no lugar de Mário Centeno, foi talvez um acto falhado, pois a liderança europeísta bem preferiria um ideólogo destes a funcionar no esquema.

Note-se que eu até aprecio este programa. É sério, muito bem preparado e tem normalmente bons analistas. Aliás, assim aconteceu na última edição, com quatro comentadores, todos eles muito europeístas legalistas, escrupulosamente fieis à gramática das comissões da CE. Dentro desta lógica apresentam argumentos e números correctos, que só não sofrem contraditório porque dentro do quadrilátero do programa não havia. Mas, apesar desta seriedade, devo dizer que me contrista um programa destes acabar sem um pingo de aceno positivo e a mensagem final, em termos gerais, ter sido praticamente esta: obviamente, isto, a continuar assim, vamos chegar outra vez a um tempo sem dinheiro para pagar salários… É terrífero. Nem prevêem algumas variáveis que, no incerto, do estado da economia podem surgir.

As regras de um jornalismo sério e independente obviamente continuam a impor aos jornalistas coerência de prática deontológica e ética. Ninguém, e muito menos um provedor, lhes pode pedir que firam a sua consciência. O politólogo francês Bernard Manin (Principes du Gouvernement Representatif, Paris, Flammarion, 1996) introduz na discussão dos media e sua comparticipação na democracia uma terceira dimensão que oferece importante reflexão. Temos três manifestações sucessivas no governo representativo: o parlamentarismo, a democracia dos partidos e “a democracia do público”. Esta é hoje a mais extensiva. É provavelmente a que tem maior abrangência, embora menos organizada, pois comporta muitos movimentos, de elites ou populares, grupos de eleitores à procura de outros objectivos, muito mais congregados ao redor de uma "democracia de opinião" do que de decisão. Por isso, difícil de ordenar e comandar. Mas, como diz Manin, os media, também dispersos pela heterogeneidade destes caminhos, não podem estar menos atentos, à "democracia do público". Um campo aberto e ainda por cima ligado à democracia electrónica, um espaço sem limites.

Hoje, qualquer jornalista quando escreve, por mais livre que queira ser, está consignado aos diâmetros do contexto social, político, económico, financeiro, religioso, no terreno global sob o plano em que ele opina. No plano internacional, é difícil fazer uma reportagem, emitir uma opinião, sem ter em linha de conta o que se está a passar numa Venezuela, num Brasil, numa Etiópia, numa Líbia, num Egipto, numa Síria, numa Turquia, ou remetendo para uma Europa, sem se interrogar onde é que estão a "esconder" milhares de refugiados, sem sabermos o que fazem com eles, o que é que eles fazem. Ninguém sabe bem calcular e mover-se nas coordenadas destes quadros diametrais mentais que fecham o mundo de hoje.

No plano nacional, igualmente, ser jornalista, escrever jornalismo, talvez nunca tenha sido tão difícil. Vinga a “democracia partidária de opinião” e essa, com certeza, não será a "democracia do público".

Portugal, politicamente, está a seguir um dilema muito difícil. Por um lado, há um grupo, forte partidariamente e ainda com grande apoio popular, que continua com grande medo da esquerda, do Partido Comunista, do PEV e do BE, e não sabe como isto não vai descarrilar, e com o pavor do tal mês sem salários. Por outro lado, com a liderança do Governo e dos partidos que lhe dão sustentabilidade, há uma luta clara, e de via bastante estreita, por fazer ver à Europa que cada país é um país, tem uma identidade própria, terá de ter uma independência garantida, embora tudo isso seja difícil efectuar sem fugir às regras estranguladoras duma Europa que é cada vez economicista e não a Europa das civilizações.

O jornalista que escreve no seu país ou região é cada vez mais circunscrito a padrões estandardizados. O espaço do jornalista que escreve sobre o mundo é cada vez menos linear, menos destrincado das encruzilhadas que se entrechocam com um mundo com os polos em contradições nítidas a denegar qualquer busca de conciliação universal. Ser jornalista sério, independente, é hoje cada vez mais difícil.

Correio dos leitores/provedor

A luta das escolas e o porto de Lisboa

Um reparo do leitor A. Betâmio de Almeida:

"Não me parece ser oportuna nem feliz a escolha do relatório do Tribunal de Contas, elaborado em data que não está explícita e num contexto diferente, para título principal da primeira página. Acresce que existia um parecer, que estava a ser ontem divulgado, da PGR, um parecer actual. Conforme é referido na p. 9, esse parecer já era conhecido das jornalistas. Podiam não o ter lido, mas a prudência aconselharia a ter cuidado, nem que seja para o jornal dar uma ideia de neutralidade. Ideia essa que fica muito abalada pela precipitação e aparente vontade de se confundir com um jornal envolvido numa campanha duvidosa para o interesse da maioria da população.

Espero que no domingo o título principal semelhante seja a referência ao parecer da PGR. (…) Por outro lado, existia uma negociação importante (porto de Lisboa), que terminou antes da meia-noite. Esse assunto é que teria merecido um destaque. O facto de o jornal mostrar estar desactualizado oito horas depois mostra bem a dificuldade de um jornal impresso em dar notícias actualizadas. (…)

Um outro ponto: a falta de notícias (…) A visita importante de Putin à Grécia. Não vi nada no PÚBLICO. (…)

A polémica das escolas

O leitor Armindo Bento manifesta alguma revolta em mais de uma carta e diz: 

A capa do jornal PÚBLICO em http://jornais.sapo.pt/4090@2016-05-28. Este não é, nem pode ser, o jornal que compro e leio ao longo de muitos anos. Hoje digo basta perante esta mentira, pois o Tribunal de Contas nunca podia dar razão a quem está na ilegalidade. Por que é que o PÚBLICO põe uma noticia que sabe que é falsa na primeira página.

Cartas impróprias

O leitor Joaquim Moura já mais de uma vez enviou cartas, em termos ofensivos e linguagem imprópria, que ele próprio duvida se serão publicadas. Mas se o leitor quiser, em termos que possam ser publicados, escrever a criticar a orientação do PÚBLICO, determinadas posições e o próprio Provedor, envie-as, que eu garanto publicar.

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