Espelho quebrado

A longa-metragem colectiva produzida pelo IndieLisboa é uma desilusão.

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Saúde-se a aposta do IndieLisboa de produzir um filme “colectivo” para celebrar o seu aniversário – não é caso único, muitos festivais o fizeram –, mas lamente-se que também Aqui, em Lisboa, tal como a maioria dos seus predecessores, fique pelo efeito de “gabinete de curiosidades” sem verdadeira espessura dramática ou narrativa. Posto em marcha pelo décimo aniversário do festival em 2013, com a organização a dar “carta branca” a quatro realizadores “da casa” para realizarem episódios individuais que funcionassem em seguida como parte de um todo, o projecto foi finalmente desvendado no Indie 2015 numa forma afastada da ideia original (as quatro curtas não fazem ligação entre si), e desde então tem tido mais exposição internacional através da exibição separada das curtas que o compõem.

Lisboa é palco de, inspiração para e única ligação entre os quatro episódios, que têm pelo menos a vantagem de serem fiéis ao universo e ao imaginário de cada um dos realizadores. Los Barcos parece confirmar que a chilena Dominga Sotomayor, vencedora do Indie em 2012 com De Jueves a Domingo, é uma cineasta de um só filme, mesmo que seja curioso ver, por uma vez, João Canijo do outro lado da câmara. De Freud und Friends de Gabriel Abrantes, desastrosa sátira tópica à cultura da tele-realidade que parece uma versão trash-pseudo-artística dos Malucos do Riso, quanto menos se disser melhor, confirmando que a veia pretensamente humorística do artista multimédia português é a sua vertente menos interessante.

Formalmente, é a francesa radicada nos EUA Marie Losier (vencedora do Indie em 2011 com The Ballad of Genesis and Lady Jaye) que ganha aos pontos com L'Oiseau de la nuit, fantasmagoria não linear inspirada pelo travesti Fernando Santos que se esgota na volúpia transgressiva de um imaginário cujo kitsch parece aqui mais formulaico do que decadente. A nossa preferida das quatro acaba por ser a contribuição do canadiano Denis Côté, presença regular na programação do festival; Excursões, filmado ao sabor da solidão de dois guias turísticos, acaba contudo por terminar no exacto momento em que parece estar a ganhar forma, confirmando Côté como um cineasta que funciona melhor com mais tempo. E não chega para salvar um filme que podia fazer sentido no papel mas que, no ecrã, nunca coalesce num todo coerente.

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