Lobo Antunes considera "condenável" não apurar consequências da crise na saúde

Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida defende que a a avaliação dos efeitos da crise na saúde está por fazer

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O presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), João Lobo Antunes, considera condenável não apurar as consequências da crise na saúde e “colher as consequentes lições para o futuro”. “A avaliação das consequências da crise está por fazer, dada a sua complexidade e, naturalmente, a dificuldade de detectar efeitos que podemos chamar de retardados. Agora, seria condenável, até do ponto de vista ético, não apurar bem tudo isto e colher as consequentes lições para o futuro”, disse.

Em entrevista por escrito à agência Lusa, no âmbito do 25º aniversário do CNECV, que se comemora este ano e será assinalado na quinta-feira com uma conferência em Lisboa, o neurocirurgião acrescentou que, ao não se apurarem as consequências da crise, “perde-se a oportunidade de aproveitar o único ‘benefício’ possível do sofrimento de tantos: o aprender a prevenir ou a atenuar o que é nefasto para toda a sociedade”.

A propósito da efeméride do CNECV, o neurocirurgião reconheceu “a imprevisibilidade dos temas” que este trata e dos “desafios que enfrenta”. “Em certa medida, nas últimas décadas a Ética andou sempre um passo atrás do progresso científico e tecnológico”, afirma, citando como "um dos mais paradigmáticos o que se passou com a clonagem e a tempestade filosófica e moral que originou”. "Hoje há certamente uma preocupação prospectiva e os próprios cientistas percebem a necessidade de uma aliança ética, e isso foi evidente no projecto do genoma humano", sustenta.

João Lobo Antunes considera que “a sociedade está muito mais desperta para estas questões. As ciências da vida têm um abraço muito amplo, da biologia molecular ao clima, e conhecem hoje uma explosão sem precedentes”. Para o neurocirurgião, “o desafio é, por isso, uma ecologia moral necessária para que o novo conhecimento seja uma bênção e não uma maldição”.

Há uma questão a que João Lobo Antunes é “particularmente sensível”: “O princípio da justiça na prestação de cuidados de saúde e a necessidade de enfrentar sem preconceitos a dificuldade de conciliar os custos que não param de crescer com os eventuais benefícios que se colhem, do que chamei a ‘nova Medicina’”. “Nesta, como em certas questões chamadas fracturantes, abunda a demagogia e, é triste dizê-lo, a ignorância”, declarou.

Sobre o trabalho do CNECV, o médico recorda que foi “um dos primeiros na Europa” e que este “reflecte, tal como a sociedade plural em que se insere, uma grande diversidade de visões e de opiniões”. “É impossível exigir uma neutralidade ideológica. O que se procura é uma medida de consenso que sirva valores fundamentais, respeitando o que alguém chamou de ‘economia da diferença’”.

João Lobo Antunes recordou alguns dos temas que foram objecto de pareceres do CNECV: Declarações Antecipadas de Vontade, o custo dos medicamentos, Procriação Medicamente Assistida e Gestação de Substituição, clonagem humana, investigação em células estaminais, saúde mental, transplantes de órgãos humanos, objecção ao uso de sangue por motivos religiosos ou estado vegetativo persistente.

Trata-se de pareceres que, para o presidente do Conselho, foram marcantes no percurso deste órgão consultivo, “quer pelo seu impacto sobre a opinião pública, quer pelo confronto de pontos de vista, por vezes diametralmente opostos. Alguns pareceres causaram mesmo um sobressalto na sociedade portuguesa”.

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