As férias podem esperar porque há azulejos para retocar em Ovar

Alunos da Universidade Católica do Porto cuidam de paisagens antigas na estação de caminhos-de-ferro e enriquecem currículo.

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No ano passado, lavaram-se azulejos, removeram-se restauros antigos, fecharam-se juntas. Este ano, fez-se reintegração cromática Adriano Miranda
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No ano passado, lavaram-se azulejos, removeram-se restauros antigos, fecharam-se juntas. Este ano, fez-se reintegração cromática Famílias à descoberta de Lisboa

Inês Magalhães tem a aldeia e a capela de S. Donato de Ovar à sua frente retratadas em dezenas de azulejos pintados em tons de azul. É uma paisagem do início do século passado inspirada em imagens do fotógrafo ovarense Ricardo Ribeiro e passada a azulejos pelas sábias mãos de Licínio Pinto e Francisco Pereira da Fábrica Fonte Nova, em Aveiro. Inês está concentrada num quadradinho de um dos painéis que decoram a estação de caminhos-de-ferro de Ovar. “É a primeira vez que lido com azulejos, é a primeira vez que faço reintegração cromática”, conta a aluna que passou para o 2.º ano do curso de Conservação e Restauro da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto. Inês e mais sete colegas de turma atrasaram o início das férias e passaram o mês de Julho de olhos postos nos azulejos de que Ovar tanto se orgulha e que também contribuem para o estatuto de cidade-museu desses pedacinhos de cerâmica.

Parece fácil, mas não é. “O mais complicado é atingir as cores originais. No início é muito complexo, misturam-se pigmentos e cores que nunca pensamos dar determinada cor”, revela Inês, de 19 anos, de pincel na mão. “É uma experiência nova que nos mostra como vai ser no futuro o nosso trabalho”. E o futuro é importante. “Este trabalho vai compensar”, garante. No final, os oito alunos levam para casa um certificado que lhes reforçará o currículo.

A colega Sara Rebelo, de 19 anos, confirma a dificuldade de encontrar as cores certas. “Há uns azuis que quando começam a secar ficam roxos”, revela. E quando isso acontece é preciso recomeçar. Sara está a tratar da bela paisagem do açude no Casal, com um rio que passa, casas ao fundo, mulheres sentadas na relva. Também não se importa de começar as férias mais tarde para levar uma “experiência nova” na bagagem.  

Miguel Miranda gosta de azulejaria e a possibilidade de passar o mês de Julho a cuidar dos quadradinhos em tons de azul que decoram a estação de caminhos-de-ferro de Ovar foi agarrada com as duas mãos. “É uma experiência bastante agradável, está a correr bem, ficamos com mais noção do que se faz cá fora em termos de trabalho”. Percebe-se que há outros mundos fora da sala de aula, percebe-se que tratar de azulejos é mais difícil do que parecia. “É mais duro do que o trabalho que fazemos sentados no laboratório da faculdade”, admite. Mais duro e mais desafiante. Miguel, de 20 anos, não se importou de abdicar de tempo de férias para retocar paisagens vareiras, do açude no Casal, à estrada do Furadouro, aos cenários de floresta e trabalhos do campo dos arredores de Ovar.

Eduarda Vieira, professora de Conservação e Restauro na área de materiais inorgânicos da Universidade Católica, acompanha os trabalhos, está atenta ao que se passa na segunda campanha de Verão que permite tirar alguns alunos dos portões da faculdade para uma missão de recuperação do património cultural e artístico português, graças a uma parceria entre a Católica, a Câmara de Ovar e a Refer. No ano passado, lavaram-se azulejos, removeram-se restauros antigos, limparam-se e fecharam-se juntas. Este ano, a intervenção focou-se na reintegração cromática. E quem percebe da arte avisa que não basta olhar para os azulejos, é necessário entender a superfície que os aloja. “Muitas vezes, esquece-se a parede. É preciso perceber o que está atrás ou de outra forma não vale a pena fazer uma operação de cosmética”, avisa. Eduarda Vieira não duvida da importância que esta campanha tem para os alunos. “É um curso acelerado, é um mês que equivale quase a um semestre”, diz, acrescentando que “há condições que não se conseguem criar em atelier”.

Isabel Ferreira, do Atelier de Conservação e Restauro de Azulejo (ACRA) da Câmara de Ovar, coordena a intervenção e conhece bem a história daqueles azulejos, dos que estão a ser tratados à entrada da estação como dos que estão virados para as linhas por onde os comboios passam e que mostram uma varina, os barcos do mar e da ria, a guarda da linha e o chafariz da praça. Os painéis, sublinha, têm um “grande valor artístico e histórico”. É do passado que fala, mas o futuro também está na sua cabeça. Os trabalhos desta campanha de Verão podem ser um “rastilho” para aproveitar sinergias que já estão no terreno e pensar num sistema integrado e em metodologias que se possam aplicar na reabilitação urbana. Ou seja, especifica, “na reabilitação de edifícios urbanos com ou sem azulejos”. Na recta final dos trabalhos, Isabel Ferreira faz uma pausa para levar os alunos a conhecerem Ovar, a cidade que se orgulha de ter fachadas repletas de azulejos. Os alunos arrumam o material de trabalho, tiram as batas, e partem para a visita, antes de regressarem para mais uma tarde de retoques em pequenos quadrados de cerâmica que contam uma parte da história de Ovar.

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