ONU diz que zonas de protecção na Síria não garantem segurança aos civis

Depois de recusar à NATO usar as bases no seu país para os ataques ao Estado Islâmico, Turquia reaproxima-se dos aliados e consegue apoio à sua estratégia.

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A Turquia é o país mais afectado pela crise de refugiados sírios, recebendo 1,8 milhões Bulent Kilic/AFP

A Turquia conseguiu o que queria da reunião desta terça-feira da NATO, em Bruxelas. Os seus 27 parceiros ofereceram-lhe o apoio unânime, embora simbólico, à sua ofensiva “sem distinção” contra o autoproclamado Estado Islâmico (EI) e os rebeldes separatistas curdos. Ancara, até agora uma figura indecisa no combate ao jihadismo às suas portas, sai de Bruxelas uma força internacional no combate ao Estado Islâmico. Mesmo que tenha sido acusada nos últimos anos de não ter feito o suficiente para travar o avanço do grupo na Síria.

A ofensiva da Turquia na Síria é “correcta” e vem “no tempo certo” para “lidar com a instabilidade às portas da Turquia e na fronteira da NATO”, concluiu o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, no final do encontro.

Esperava-se que a Turquia desse detalhes sobre as “zonas de protecção” que serão criadas no Norte da Síria, e que se devem estender desde o rio Eufrates, a leste, até Azaz, no ocidente. Este território já foi negociado entre Ancara e Washington e é desde o início uma condição da Turquia para abrir as suas bases aos jactos da coligação internacional.

Estas “zonas de protecção” ou no fly zones podem mudar o rumo da guerra na Síria. Afastar o EI deste território significa cortar-lhe os últimos postos de fronteira na Turquia e dar às forças rebeldes uma posição privilegiada para conquistar Alepo ao regime de Assad. Esta extensão de território deverá também acolher os cerca de 1,8 milhões de refugiados sírios na Turquia e será controlada por grupos rebeldes escolhidos por Ancara e Washington. E é aqui que começam as dúvidas a que a reunião da NATO não respondeu.

Turquia e Estados Unidos não estão de acordo sobre que grupos rebeldes são moderados ou não. “O que não querem fazer é chamar a algo uma zona protegida, as pessoas fugirem para lá, mas não haver protecção suficiente”, disse Stephen O'Brien, chefe humanitário das Nações Unidas. “Como o nosso principal objectivo é a protecção de civis, precisamos de ter a certeza que há segurança e esse não é o papel dos humanitários. Precisa de ser estabelecido por outros.”  

Grupos de rebeldes, moderados e extremistas, elogiaram já a criação de um território protegido. A Coligação Nacional Síria, apoiada pelo ocidente, foi um deles, como também o Ahrar al-Sham, um grupo radical islamista. O Estado Islâmico é um “inimigo em comum” com a coligação internacional, disse este grupo à Associated Press, e tudo o que esta fizer para o “enfraquecer, atacar e alvejar” será proveitoso.

Esta terça foi dia de uma ensaiada aproximação entre Ancara e as milícias curdas no Norte da Síria. As Unidades de Protecção do Povo, conhecidas pela sigla YPG, são um dos principais aliados da coligação internacional no terreno e, em simultâneo, produto e parceiros do PKK. Os curdos têm interpretado a zona de segurança no Norte da Síria como uma tentativa de impedir que as milícias conquistem mais território ao EI e assim consigam finalizar as fundações para um estado autónomo - o “anel de fogo” de que falou o primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, no fim-de-semana.

As YPG dizem não se opor aos novos planos de Washington e Ancara. Nas palavras de um porta-voz das milícias, decorriam ainda as discussões em Bruxelas, as YPG não vêem a criação de uma zona de segurança “como uma ameaça”. Davutoglu já tinha afirmado que os curdos sírios “podem ter um lugar na nova Síria”, desde que cortem as ligações com o PKK, não interfiram com a Turquia e trabalhem com outros grupos rebeldes.

Ancara e YPG parecem dispostos a tolerar-se no conflito. Têm em comum um aliado, os EUA, mas também amizades e inimizades antagónicas. Neste fim-de-semana, combatentes da YPG e soldados do regime sírio avançaram em Hassakah, no Leste, e dizem estar prestes a tomar a cidade por completo ao EI. Por seu lado, Ancara continua a pôr a ênfase em destruir o Governo sírio.

Agressões renovadas
A diplomacia ficou fechada em Bruxelas. No terreno, a realidade é outra. Separatistas do PKK mataram mais um soldado turco. É uma imagem quotidiana desde o fim do cessar-fogo. No domingo, uma explosão provocada pelo grupo no Sudeste do país contra uma coluna militar matou dois soldados de Ancara; na segunda-feira, um polícia militar morreu numa emboscada. A resposta turca não se fez esperar. Poucas horas depois, a meio da tarde desta terça, jactos F16 atacaram novas posições do PKK, desta vez em território turco, no Sudeste, em Sirnak, e não no Norte do Iraque como até agora.

Há um clima de guerra civil que lentamente regressa ao Sudeste do país, regiões de maioria curda e de maior presença do PKK. Na noite de segunda, o gasoduto que liga o Irão à Turquia foi atacado, em Agri, junto à fronteira com o Iraque. A linha de fornecimento de gás só será reparada daqui a três dias.

Na guerra aos jihadistas e separatistas curdos, estes últimos parecem ser o principal alvo. Este ponto não passou despercebido na reunião da NATO. De acordo com declarações de um dos presentes à Reuters, e à semelhança do que têm sido os avisos públicos de vários países, houve apelos em Bruxelas para que Ancara não use “força excessiva” no tratamento dos separatistas e que prossiga com as negociações de paz. 

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