Programa de Português é "para cumprir", diz MEC

Uma dirigente da APP disse esperar que os colegas “tenham o bom senso” de não seguir o novo programa de Português “de forma acrítica”. Responderam o MEC e a equipa que o elaborou.

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O novo programa de Português continua a gerar polémica Daniel Rocha

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) recordou no domingo que “os programas das disciplinas são para cumprir” e a coordenadora do novo programa de Português para o Ensino Básico alertou que “apelar à desobediência civil é um acto com consequências jurídicas”. Comentavam, assim, as afirmações de Filomena Viegas, dirigente da Associação de Professores de Português (APP), que disse esperar que os colegas “tenham o bom senso” de não seguir as directrizes daquele documento “de forma acrítica”.

Em causa, estão, aparentemente, duas concepções diferentes do ensino da língua. Helena Buescu – que em resposta ao PÚBLICO, por escrito, frisou que comentava as palavras de Filomena Viegas “como cidadã” – defende, como toda a equipa que elaborou as novas directrizes, “a importância da definição clara de conteúdos programáticos, objectivos e respectivos descritores de desempenho, ano a ano de escolaridade”.

Filomena Viegas, co-autora do programa de Português de 2009, revogado pelo actual Governo, considera que aquele que agora entra em vigor põe “de lado aquilo que deve ser essencial, a aprendizagem das crianças”, e resulta da “obsessão do que pode ser treinado, quantificado e medido com exames”.

Sábado, a dirigente da APP referiu-se às metas e aos descritores de desempenho – “cerca de mil” – que se articulam com o programa, afirmando que “estabelecer metas anuais, objectivas e mensuráveis para cada ano de um ciclo de ensino é desadequado e favorece a retenção, porque não permite a flexibilização do currículo e dos programas ou a recuperação de aprendizagens menos conseguidas”.

Em resposta, a equipa que elaborou o programa homologado sexta-feira explicou, no domingo, que os objectivos presentes nas metas curriculares e os descritores de desempenho (enunciados precisos e objectivos do que se espera que o aluno seja capaz de fazer no final do ano lectivo) são em número médio de 25 e 84, respectivamente, por cada um dos nove anos do ensino básico. No mesmo texto enviado ao PÚBLICO contesta que a avaliação, a cada ano, do cumprimento daqueles itens, “dificulte a recuperação de alunos com dificuldades”, já que, na sua perspectiva, permite ao professor “intervir de imediato”, não deixando a recuperação para o fim do ciclo.

Neste contexto, a mesma equipa frisa que nas provas finais de 2015 (três anos depois da implementação das metas curriculares), os alunos do 4.º ano e do 6.º ano obtiveram “bons resultados”. Não alude à tendência para o aumento das retenções nos anos em que não há exames (cujos resultados influenciam a avaliação das escolas).

Na nota enviada em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, o MEC não analisa as críticas da APP em pormenor. Lembra que “numa sociedade democrática e num Estado de Direito há procedimentos a cumprir, tanto pelo Estado, como pela sociedade em geral” e que o programa de Português, que esteve em consulta pública, faz parte deles.

Fernando Pessoa opcional no Ensino Básico
Na introdução ao novo programa são referidas precisamente as alterações que resultaram das críticas à proposta, no período de consulta. Aquelas traduziram-se no reforço da sua “exequibilidade” e passou, por exemplo, pela redução do número de textos de Educação Literária a trabalhar nos três ciclos, dizem os autores.

Neste campo, a alteração mais significativa será a passagem a opcionais dos poemas de Fernando Pessoa que na proposta eram obrigatórios. Uma medida que Helena Buescu desvaloriza, alegando que, “tendo a escolaridade obrigatória passado para 12 anos, pode (e deve) agora haver um fôlego diferente na distribuição dos conteúdos, em Educação Literária como em todos os outros domínios". Fernando Pessoa continua a ser obrigatório “para todos os alunos” no 12.º ano, frisa.

No que se refere às obras literárias, na maior parte dos casos, a solução adoptada pela equipa que trabalhou a proposta foi reduzir o número obrigatório de textos pelos quais os professores podem optar e que estão agrupados por autor ou por género. No domínio da leitura e da escrita a estratégia foi passar a “opcionais” objectivos que constam das metas curriculares, o que acontece de forma mais evidente nos últimos anos do Básico. 

No 7.º ano passa a ser opcional ler retratos e auto-retratos, críticas, cartas e relatórios; e escrever textos biográficos, retratos e auto-retratos, guiões de entrevistas, relatórios e cartas. Cai, no 8.º, a obrigatoriedade de ler descrições, críticas e entrevistas, e de ler e de escrever roteiros e currículos. No 9.º ano passa a ser opcional ler artigos de opinião, críticas e entrevistas e fazer um guião para a dramatização de um filme. Para além disso, deixa de ser obrigatório saber escrever avisos, no 4.º ano; ler rótulos e sumários e escrever convites, no 5.º; e ler sumários e extrair o pressuposto de um enunciado, no 6.º.

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