Solidariedade contra a chantagem

Os gregos disseram “não”. Contra ventos e marés, com os bancos fechados e as farmácias e supermercados já com problemas de abastecimento, esta foi uma demonstração de coragem e firmeza perante todos os avisos e pressões, chantagens e ameaças, temores e rancores.

Que “não” disseram os gregos? Os gregos disseram “não” à aplicação de mais um pacote de austeridade. Mas o “não” dos gregos não foi sobre a saída do euro ou o afastamento da União Europeia. Só foi possível que o “não” ganhasse, num país em que 80% das pessoas não quer sair do euro nem da União Europeia, porque o Governo grego conseguiu fazer passar a mensagem de que um “não” no referendo não era um “não” ao euro.

Esta diferença é relevante porque nos próximos dias vamos assistir a uma enxurrada de comentários dizendo que a Grécia voltou costas à Europa. Já começaram, aliás: o social-democrata alemão Sigmar Gabriel afirmou que o Governo grego queimou as últimas pontes com a Europa e o trabalhista holandês Jeroen Dijsselbloem disse que o resultado do referendo condiciona a presença da Grécia no euro. Pouco me surpreende a atitude deste dois porta-vozes da arrogância institucional da zona euro. São eles, e gente como eles, quem voltou as costas à Europa. São eles quem se apresta a sacrificar um país, primeiro, e todo um projeto de paz e democracia para este continente, depois, no altar das regras burocráticas e mecanismos cegos de uma união monetária mal concebida.

É preciso fazer barragem a esta atitude revanchista e impedir que ela deite a perder aquilo que, apesar de todas as dificuldades e erros, se construiu na Europa das últimas gerações. Dijssebloem e Sigmar Gabriel perderam uma batalha política contra o Governo grego mas não têm o direito de levar a Europa para um buraco por causa disso. Vários governos europeus fizeram o que fez o grego e vários referendos europeus já deram “não” — na Irlanda, na Dinamarca, na França, na Holanda. Em todos os casos se voltou à mesa de negociações e se fizeram concessões para que os países em causa pudessem continuar no projeto europeu. Os gregos não merecem menos do que isso.

Esta crise pode acabar amanhã se os mais inflexíveis dos governos europeus entenderem que não é possível exigir mais austeridade a uma economia deprimida e a uma sociedade exaurida. Mas é possível salvar a Grécia e a Europa combinando uma moratória imediata do serviço da dívida grega para os próximos dois anos, uma reestruturação das dívidas excessivas dos países da zona euro e um plano de relançamento económico financiado pelo Banco Europeu de Investimentos. Aí sim, será possível reformar o Estado grego — e o Syriza é provavelmente o partido mais bem colocado para o fazer. Onde o eurogrupo dizia: “Condições primeiro e alívio da dívida depois” é preciso dizer “alívio da dívida já para dar condições de reforma depois”.

Quem ama a democracia e a Europa não pode deixar a Grécia ser empurrada para a porta de saída da União. Quem ama Portugal, já agora, também não. Nas cimeiras extraordinárias que se seguirão nos próximos dias, o Governo português não pode persistir numa atitude de confronto que, sem resolução desta crise, se poderia voltar contra Portugal mais depressa do que se pensa.

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