Com “sim” ou “não”, a crise continua

Se ganhar o “não”, Tsipras regressa a Bruxelas de peito inchado mas não necessariamente mais forte. Se ganhar o “sim”, a crise também não fica resolvida

Daqui a meio século, quando olharmos para este incrível Verão europeu de 2015, vai ser certamente mais fácil fazer um retrato do que aconteceu. Agora, a horas de sabermos como decidiram os gregos no referendo de 5 de Julho, a imagem está coberta por um véu nebuloso que impede uma visão clara.

Como vai a Grécia acordar amanhã? O ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, garante que os bancos gregos abrem na terça, qualquer que seja o resultado do referendo. Mas se há coisa sobre a qual temos a certeza é a de que não podemos ter certezas sobre nada em relação à Grécia.

Com o país em default técnico há uma semana – e apesar de o referendo ter congelado algumas das consequências imediatas do incumprimento – a Grécia já está a racionar medicamentos, tem muitas caixas de multibanco vazias e muitas lojas já não aceitam pagamentos com cartão de crédito. Só cash. É fácil perceber. Se não há cash no país e se a economia só aceita cash... Um micro-exemplo: as bombas de gasolina já recusam crédito. Se os gregos deixarem de ter cash, não podem pôr gasolina, logo, os carros deixam de circular. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria grega diz que os bancos só vão conseguir reabrir no fim do mês, ganhe quem ganhar. Há rumores de que o Banco Central de Atenas vai injectar dinheiro na economia através de um método radical: indo directamente às contas dos cidadãos.

Este é o lado prático e imediato. A parte política encerra incógnitas ainda maiores. Segunda-feira, na ressaca da noite do referendo, o que vai a Grécia fazer? Todos esperam o reinício das negociações. Angela Merkel disse que estava disposta a voltar a falar com a Grécia depois do referendo. Isso significa que Merkel está preparada para negociar seja o resultado “sim” ou “não”. Mas com quem vai falar?

Se ganhar o “não”, Tsipras regressa a Bruxelas de peito inchado mas não necessariamente mais forte. Se é verdade que das negociações dos últimos 150 dias sobra apenas um hiato de 400 milhões, os credores terão dificuldade em justificar a manutenção do impasse. Estão pressionados a ceder em nome da união e da paz na Europa. Mas não só não há uma leitura única sobre o significado de uma vitória do “não” (Juncker disse que implica a saída da Grécia do euro e Donald Tusk disse o contrário) como a violência das declarações dos líderes gregos abriram feridas inéditas. Como vão sentar-se à mesa depois das acusações mútuas – e públicas – como nunca vimos? Se conseguirem chegar a um acordo e manter o status quo, muitos vão ter de mitigar certezas absolutas repetidas nos últimos dias.

Se o ganhar o “sim”, o governo grego deverá cair. Nesse cenário, na segunda-feira quem vai a Bruxelas é um governo de técnicos escolhido para fechar um acordo. E é Bruxelas quem terá o peito inchado. O “sim” defendido pelos líderes europeus e por quase metade dos gregos poderá acalmar a tensão na Europa, eliminar os receios de uma ruptura interna e da aproximação de um membro do euro à Rússia bélica de Putin. Mas também não resolve a crise.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários