Afinal, está tudo em aberto em Atenas e em Bruxelas ainda se negoceia

Dia de propostas, recusas e a confirmação de que ninguém deixou a mesa das negociações. Governo grego admite até desconvocar o referendo. Tudo depende de conseguir um terceiro empréstimo e uma reestruturação da dívida.

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Manifestantes anti-Syriza reunidos em apoio ao "sim" no referendo Yannis Behrakis /Reuters

Menos de 24 horas depois de Alexis Tsipras ter ido à televisão grega apelar a um voto maciço no “não” ao referendo que convocou sobre a última proposta dos credores, defendendo que isso favorecerá a posição negocial de Atenas, o seu adjunto, Yannis Dragasakis, informava os gregos, também pela televisão, que ainda é possível que a consulta não chegue a realizar-se. Se os gregos já estavam confusos, agora resta-lhes esperar.

No dia em que expirava o programa de assistência financeira à Grécia, houve tempo para uma última reviravolta nas negociações. O primeiro-ministro grego surpreendeu os parceiros europeus com nova uma proposta, numa carta endereçada ao início da tarde ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem. Tsipras fez três pedidos aos credores: uma extensão do actual programa por alguns dias, uma reestruturação das dívidas gregas ao fundo de resgate europeu, e um novo empréstimo de dois anos que permita ao país ter liquidez até ao final de 2017. 

Para já, os restantes países recusaram dois dos pedidos, aceitando apenas considerar o terceiro resgate, mas avisando que “as condições serão ainda mais duras do que as actuais”. O que o líder grego não indicou na carta foi precisamente quais serão as condições que pode aceitar para esse novo empréstimo, apesar de qualquer apoio financeiro concedido pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) implicar a assinatura pelo país requerente de um memorando.

Tsipras também não especificou o montante do empréstimo que as autoridades gregas pretendem solicitar, mas juntou à carta que enviou a Dijsselbloem uma tabela com os pagamentos de Atenas aos seus credores nos próximos dois anos, que totalizam cerca de 30 mil milhões de euros.

Em troca, segundo fontes ouvidas pela Reuters, o Governo grego estaria pronto a apoiar o "sim" no domingo, dia para o qual convocou o referendo sobre a última proposta conhecida dos credores, ou mesmo a anular a consulta. Aqui, persiste uma dúvida, com a presidente do Parlamento grego, Zoe Konstantopoulou, membro da ala esquerda do Syriza, a insistir que "não há nenhum procedimento constitucional" que permita cancelar um referendo depois de anunciado. 

A carta de Tsipras apanhou as instituições europeias e os outros Estados-membros da zona euro de surpresa, e obrigou Dijsselbloem a convocar de imediato uma reunião telefónica extraordinária do Eurogrupo.

Rapidamente se percebeu que as propostas não foram bem acolhidas. Os ministros das Finanças da zona euro não precisaram de mais de uma hora para concluir que não podiam aceitar. O que não significa que a situação não possa mudar, já que os contactos entre os líderes europeus não cessaram depois do fim do encontro – e esta quarta-feira, pelas 11h30 (10h30 em Lisboa), o Eurogrupo estará de novo reunido em teleconferência.

Discordâncias entre capitais
No fim do encontro, Dijsselbloem deu uma entrevista à CNN, confirmando que o programa de assistência financeira à Grécia chegava ao fim terça-feira à noite, e que já é "tarde de mais" para estender o programa actual, até porque isso teria de ser votado por vários parlamentos nacionais para poder ser aprovada. 

"A posição política do Governo grego não parece ter mudado", lamentou, acrescentando que nenhum novo programa pode ser decidido antes do referendo de domingo, o que já tinha sido defendido pela chanceler alemã, Angela Merkel. 

Mas e se não houver referendo? E se a proposta que Atenas vai apresentar esta quarta-feira for muito diferente?

Sabe-se que há discordâncias entre as capitais. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, começou o dia a dizer que uma vitória do “sim” no referendo grego permitiria aos credores negociarem com outro Governo em Atenas, “uma coisa boa para a Grécia”. Mas Tspiras telefonou ao longo do dia a vários líderes europeus, como o italiano Matteo Renzi, e o francês François Hollande parecia empenhado em encontrar ainda uma solução, um dia depois de ter debatido a crise com Barack Obama.

De acordo com Yannis Dragasakis, a carta enviada por Tsipras “limita mais ainda as diferenças” entre o Governo do Syriza e os parceiros europeus, sugerindo assim que o executivo de esquerda pode estar disposto a novas concessões para obter um terceiro resgate. “Estamos a fazer um esforço adicional. Há seis pontos em que esse esforço pode ser feito. Não quero entrar em pormenores, mas isso incluiu as pensões e questões laborais”, afirmou.

Governo quer acordo
Segundo o jornal grego Kathimerini, o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, estava a trabalhar na explicitação das medidas que a Grécia está disposta a concretizar em troca de um terceiro empréstimo. A especulação é grande entre jornalistas e políticos. O professor de sociologia política Michael Spourdalakis (que se descreve como sendo de esquerda), diz que tudo está em aberto. Se vai mesmo haver referendo? “Não consigo dizer”.

Spourdalakis aposta que é mais provável que o referendo se realize, com o primeiro-ministro mudar a intenção de voto para “sim” se entretanto conseguir um acordo mais favorável.

“As últimas horas”, argumenta o analista, “mostraram que o Governo gostaria de ter algum tipo de acordo.” Mas Spourdalakis não acredita que as instituições acabem por apresentar essa proposta. E quanto mais dias passam com os bancos fechados, “mais ajuda quem quer um acordo a qualquer preço”.

Spourdalakis sublinha ainda que o Syriza esteve em perigo de fazer o mesmo “que todos os outros Governos” – de comprometer muito mais do que tinha prometido. “Com a última proposta, já estava a caminhar em areias muito, muito movediças”. 

Tudo em aberto, portanto, num dia que ficou ainda marcado por uma enorme manifestação contra o Governo – na noite anterior, tinham sido os apoiantes do Syriza a juntar-se na Praça Syntagma, diante do Parlamento. Para os próximos dias, estão já previstos novos protestos, de ambos os campos.

Ser do contra
Antes do início da manifestação, um lembrete de como as coisas podem escalar – um grupo de anarquistas juntava-se na zona da universidade, de bandeiras vermelho-negras e alguns com capacetes. A ideia era irem até à Syntagma. “As ruas são nossas, não são dos capitalistas”, defendia um. Não era claro se teriam conseguido.

A reivindicação das manifestações como exclusivas de um tipo de pessoas já tinha acontecido na semana passada, quando houve protestos rivais. Nas redes sociais, tornou-se quase viral, e alvo de muita troça, a imagem de um grego que protestava com ar relaxado, pullover nas costas, e um copo de vinho rosé na mão.

Mas os defensores do “sim” no referendo recusam esta associação: “Eu trabalho num call center, recebo 600 euros, e estou aqui”, diz uma jovem de cabelo curto que não quer ser identificada. “Se o ‘não’ ganhar, se calhar não tenho sequer trabalho. Nem eu tenho trabalho, nem talvez os meus pais tenham, e os meus avós poderão não ter reforma, ou esta desvalorizar ainda mais. E se eu posso emigrar, eles já não conseguem. É muito fácil ser do contra, mas o que propõem? A União Europeia nunca vai aceitar um acordo muito melhor.”

Parte da resposta chegará esta quarta-feira aos gregos e aos restantes Estados-membros da União pela voz de Yanis Varoufakis. 

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