Idosos vão pagar mais para viver num lar da rede solidária

Regulamento foi alterado a pensar na sustentabilidade das instituições de solidariedade. O antigo datava de 1997 e estava “ultrapassado”. Quanto maior a dependência do idoso, maior continua a ser a sua comparticipação.

Um idoso que recebe uma pensão de 350 euros e um complemento de dependência de 100 euros, porque perdeu autonomia, poderá ter de pagar até 90% desse rendimento para ter os cuidados no lar ou instituição de solidariedade social onde vive. Neste caso, recebe 450 euros e pode pagar até 405 euros. Antigamente, quando a taxa de comparticipação máxima era de 85%, o mesmo idoso, nas mesmas circunstâncias, não pagava mais de 382,5 euros. O aumento efectivo é definido pela instituição, que pode continuar a aplicar a taxa máxima de comparticipação desde que o valor a pagar pelo idoso não aumente em mais de 5%.

Com o progressivo envelhecimento da população, um número cada vez maior de idosos encontra-se numa situação de grande dependência e cada uma das pessoas a viver num lar da rede solidária representa um custo mais elevado.

Foi neste pressuposto – mas também no de que os idosos com mais posses podem contribuir para garantir a continuação do acesso dos mais carenciados – que a União das Misericórdias Portuguesas, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a União das Mutualidades Portuguesas chegaram a acordo com o Governo para as mudanças introduzidas numa circular de Dezembro de 2014 da Direcção-Geral da Acção Social e que começam agora a ser aplicadas. A primeira: o valor da comparticipação do idoso vai aumentar, em proporção do seu rendimento.

Os problemas de sustentabilidade financeira das instituições e as dificuldades do Estado em reforçar as comparticipações públicas são razões igualmente invocadas para a aplicação destas novas regras. Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, explica que o regulamento das comparticipações dos idosos e seus familiares para as instituições de solidariedade social foi revisto porque o anterior, de 1997, estava “desadequado”. E considera que o aumento previsto da comparticipação é irrisório para o utente mas “faz sentido para a sustentabilidade da instituição” onde reside.

Até aqui, esse valor não podia ir além de 85% do rendimento e agora pode ir até 90%, no caso de o idoso receber um complemento de dependência. O mínimo dessa comparticipação também sobe: de 70% para 75%. Aquilo que vai  determinar qual a comparticipação – entre o mínimo e o máximo – a pagar pelo idoso continua a ser o seu grau de dependência. Mas, feitas todas as contas, o aumento no valor da comparticipação, subjacente à introdução deste novo regime, não poderá ser acima de 5%.

O novo regulamento, criado pela nova circular que substitui a anterior de 1997, introduz outra novidade: para calcular o rendimento do idoso não contará apenas, como até aqui, o valor da pensão que recebe. A nova regra inspira-se no cálculo do IRS, explica Filomena Bordalo, assessora da direcção da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS). Ou seja: a existirem outros rendimentos – patrimoniais, prediais, de capitais ou outros – eles contarão para definir a comparticipação.

Para creches e outras respostas sociais da infância e juventude, porém, as comparticipações familiares não vão aumentar. “Mantêm-se os valores”, garante Filomena Bordalo. No que diz respeito a serviços de apoio domiciliário ou centros de dia, por exemplo, houve “ajustamentos” que podem ou não ser de aumentos ligeiros, embora tal não possa ser afirmado, ressalva a responsável, porque as percentagens a pagar dependem muito do tipo dos serviços prestado aos idosos.

Mudança de perfil
“A proporção do rendimento do idoso aumenta porque o perfil do idoso que hoje está nos lares é completamente diferente do perfil do idoso que estava há 20 anos”, diz Manuel de Lemos. “Antigamente, as pessoas iam viver para os lares e ainda eram muito autónomas. Hoje isso já não é assim. A esmagadora maioria vai com enormes dependências.” E isso obriga a maiores custos com pessoal e infra-estruturas, justifica.

“É preciso fazer face aos custos”, explica Henrique Rodrigues, assessor jurídico da CNIS. O jurista lembra que a comparticipação média da Segurança Social por idoso é de 362,49 euros por mês e que o custo real de um idoso num lar nunca é abaixo dos mil euros por mês. “Tem de haver pessoas que pagam mais que o custo médio para garantir que aqueles que não podem pagar não fiquem excluídos”, completa.

É esse diferencial entre o custo e a contribuição do Estado que o novo regime quer preencher, não só revendo as fórmulas de cálculo, mas introduzindo outra novidade: os critérios que regem as negociações com os familiares do idoso, para a eventual comparticipação destes, passam a estar inscritas no regulamento interno das instituições.

Este sistema foi introduzido em nome de uma maior transparência, explica Filomena Bordalo. São garantias dadas às famílias de “como se consegue tornar uma resposta social sustentável em que o custo efectivo é repartido pelo utente, pelo familiar e pelo Estado”, acrescenta Henrique Rodrigues que diz que este novo regime não significa que a comparticipação dos familiares se  generalize.

Os familiares não são obrigados a comparticipar, explica o jurista. E esclarece: “É como em tudo em que há duas partes interessadas. Tenta chegar-se a acordo. Quando não se chega a acordo, nada pode compelir” um familiar a essa comparticipação, a não ser a hipótese improvável de um idoso interpor uma acção em tribunal.

Foi ainda no Governo de José Sócrates que se instituiu formalmente a possibilidade de os herdeiros legítimos, além dos filhos, poderem ser chamados a comparticipações complementares, diz Henrique Rodrigues. “A comparticipação dos familiares – como sobrinhos ou netos – já estava consagrada nos protocolos de cooperação” assinados todos os anos, esclarece.

Notícia revista às 13h30 com novos valores

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