Mais de 30% dos doentes já estavam insatisfeitos com as urgências antes do caos

Estudo avaliou as percepções dos utentes sobre a qualidade, preço e eficácia do SNS. Nota global é positiva, mas 10% das pessoas admitem que já deixaram de recorrer aos serviços por falta de capacidade financeira.

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As urgências hospitalares são o calcanhar de Aquiles do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com mais de um terço das pessoas inquiridas num estudo a reconhecerem a sua insatisfação com a forma como foram atendidas naqueles serviços – um número que contrasta com a avaliação globalmente positiva dos cuidados públicos de saúde, em termos de recursos humanos, infra-estruturas e atendimento. A percepção teve como base dados recolhidos no primeiro semestre de 2014, ainda antes do caos sentido em várias urgências neste Inverno, com várias notícias a darem conta de tempos de espera muito acima do recomendado e com os hospitais a abrirem inquéritos para perceberem se algumas mortes de doentes tiveram relação com falhas no atendimento.

A conclusão faz parte de um estudo desenvolvido pela Nova Information Management School (Nova IMS) feito no âmbito do projecto Saúde Sustentável e apresentado nesta terça-feira durante a conferência Sustentabilidade na Saúde, organizada pela TSF e pela farmacêutica AbbVie. “Já fizemos estudos mais detalhados sobre os hospitais do SNS e foi consistente que as urgências apresentavam uma avaliação sistematicamente mais negativa. Se pudermos detectar um ponto mais fraco no sistema é o problema das urgências, que não sendo um problema novo é um problema continuado e que merece a atenção dos decisores”, sintetizou ao PÚBLICO o director da Nova IMS, Pedro Simões Coelho.

O trabalho avaliou as percepções dos utentes sobre a qualidade, preço e eficácia do SNS. A amostra, representativa da população, contou com 552 entrevistas a maiores de 18 anos feitas no segundo semestre de 2014. O estudo dá conta de alguns dados preocupantes em termos de acesso, com cerca de 10% dos inquiridos a dizerem que deixaram de recorrer a consultas nos médicos de família ou hospitais e a exames de diagnóstico por falta de capacidade financeira.

Essa mesma dificuldade impediu 16% dos inquiridos de comprar todos os medicamentos prescritos pelo mesmo médico no último ano, sendo que em 89% dos casos o fármaco deixado na farmácia era tomado de forma regular pelo doente – o que indica que os problemas afectam muitos doentes crónicos. Ainda no campo do preço, mesmo assim os doentes compreendem melhor e acham mais justo o valor pago pelos fármacos do que aquele que dispensam para as taxas moderadoras. Para 43% dos portugueses as taxas são desadequadas, um valor que cai para 26% quando se fala da desadequação do valor que o Estado comparticipa nos medicamentos.

As taxas moderadoras marcaram o debate sobre o estudo, com o secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, a lembrar que em Fevereiro o Governo decidiu alargar a isenção dos 12 para os 18 anos, como forma de estimular a natalidade em Portugal, e que cerca de metade da população está isenta. Já Pedro Simões Coelho salientou que o principal problema está nas franjas da população com rendimentos baixos mas que estão acima do que é considerado insuficiência económica. Por seu lado, o antigo secretário de Estado da Saúde Manuel Pizarro, agora vereador da Câmara do Porto, também presente numa das mesas de debate, lembrou que uma pessoa com um salário de 650 euros pode ter de pagar 50 euros numa urgência hospitalar, “o que é obviamente um impedimento”. Sobre este aspecto, Leal da Costa contrapôs que o Governo PS chegou a prever a extensão das taxas moderadoras ao internamento, o que acabou por cair.

O ministro da Saúde, numa reacção ao estudo durante a conferência, reconheceu que, com a actual crise, alguns portugueses têm dificuldades em responder às suas necessidades, mas preferiu destacar como “extremamente positivo” que “depois dos três piores anos da maior crise” se consigam indicadores semelhantes a 2009 em termos de satisfação e confiança dos utentes. No que diz respeito aos medicamentos, Paulo Macedo reiterou que nos últimos anos o preço para os utentes caiu entre 27% e 56% e que sem estas medidas tudo “seria muito pior”, salientando ainda o aumento dos actos médicos feitos no SNS, tanto em termos de consultas como de cirurgias e mesmo de urgências.

Num índice de 0 a 100, o SNS conseguiu uma classificação global em termos de eficácia de quase 75, num valor que cai para 73 quando se olham apenas para os cuidados recebidos. No campo da qualidade, a classificação chegou aos 67, com o valor mais alto, um índice de 80, a ser dado à qualidade dos profissionais que trabalham nos serviços públicos. O pior resultado, de 55, vai para os tempos de espera entre a marcação e a realização dos actos médicos. Por último, em termos de satisfação e confiança o destaque positivo vai para o internamento, seguido pelos exames, consultas nos centros de saúde, consultas nos hospitais e atendimentos de urgência em último lugar.

Há um ano tinha sido apresentada uma primeira parte deste trabalho da Nova IMS, sob o mote Despesa vs. Investimento, e que concluiu que com a actual estrutura de financiamento cada euro investido no sector da saúde representa um retorno imediato de 0,46 cêntimos no produto interno bruto do país. Além disso, cada milhão de euros permite reduzir o absentismo por doença em 4536 dias.

O novo estudo agora conhecido olhou também para os dados do absentismo e reforçou estas conclusões, já que só metade dos participantes respondeu que nos últimos 12 meses não precisou de faltar ao trabalho por motivos relacionados com a sua saúde ou de familiares. Entre os que faltaram, a média foi de cinco dias por ano, e isso custa ao país 2000 milhões de euros só em salários.

“Os gastos em saúde devem ser vistos como um investimento que tem retorno económico”, reforçou Pedro Simões Coelho, lembrando que o trabalho aponta para que 34% das pessoas digam que o seu estado de saúde está a afectar negativamente a produtividade e com 40% a reportarem que o estado de saúde está a ter impacto nas tarefas diárias, pessoais e profissionais. Entre os inquiridos só 15,6% avaliaram o seu estado de saúde como “muito bom”, seguindo-se 34,6% de pessoas a responderem “bom” e 41,5% que escolheram a hipótese “razoável”.

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