O relato da "liderança relutante" da Alemanha segundo o embaixador de Portugal

Luís de Almeida Sampaio esteve no Instituto Adelino Amaro da Costa para falar da "Alemanha na crise europeia".

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O número de desempregados na Alemanha atingiu em Junho os 2,88 milhões Foto: Robert Michael/AFP

Luís de Almeida Sampaio foi um dos obreiros da polémica viagem da ministra das Finanças a Berlim, numa altura em que a Europa estava de olhos postos na Grécia. Juntamente com a Fundação Bertelsmann, o embaixador português na capital germânica organizou uma conferência sobre a crise europeia, que se tornou nota de rodapé no turbilhão de críticas que se seguiram à passagem por Berlim de Maria Luís Albuquerque na véspera do Conselho Europeu que decidiu o que fazer com o novo Governo grego.

Ontem, foi o turbilhão grego que se limitou a nota de rodapé no debate realizado no Instituto Adelino Amaro da Costa que chamou o embaixador para falar da “Alemanha na actual crise europeia”.

Foi a oportunidade para Luís de Almeida Sampaio levantar o véu sobre a potência regional que agora lidera os destinos da Europa. Em vez de imponentes teutónicos satisfeitos com a imposição das suas políticas financeiras a uma União em crise, o retrato que apresentou foi a de um país “desconfortável” com o seu poder. “A liderança alemã é uma liderança relutante”, disse o embaixador perante a pequena audiência de embaixadores e políticos presentes.  Uma liderança a que não aspiravam, assegurava Sampaio, e que estava permeada do que apelidou do “síndrome do Homem-Aranha: com mais poder vem mais responsabilidade”.

A razão para essa relutância, que parecia estranha no país que é o motor da economia europeia, foi só em parte explicada pelo embaixador. O poder atraía “mais antagonismos e mais críticas” que a Alemanha e os seus líderes abominavam devido à sua outra “característica” intrínseca. “Nada é feito na Alemanha sem a busca incessante do consenso”, destacava Sampaio. O embaixador fez questão de notar a “grande preocupação” pelo enfraquecimento da influência francesa na União Europeia. “Há um suspiro de alívio em Berlim sempre que boas notícias chegam de Paris”, asseverava o diplomata.

E havia ainda o empenho no “destino europeu”. Perante uma pergunta da audiência a propósito da Rússia, Sampaio assegurou que, apesar do “respeito” que tinha pelo vizinho, a Alemanha escolheria sempre a União: “O coração alemão bate pela Europa.”

A imagem da hegemonia benévola alemã continuou com a explanação da “percepção que os alemães têm dos portugueses”. Em vez da caricatura da cigarra mediterrânica, Sampaio garantia ter encontrado – nos mais de dois anos de Berlim – a ideia de um país “capaz de vencer as dificuldades”. “Para eles, não temos muitas das ‘virtudes’ dos mediterrânicos”, afirmava. “Sóbrios, sérios e com uma história” de séculos carregada de exemplos de superação das dificuldades.

E, contudo, foi o seu silêncio a outra pergunta que beliscou essa ideia da liderança benevolente. De uma das mesas veio a dúvida sobre se a “Alemanha estava disposta a pagar” a manutenção da Grécia no Euro. A ideia da estabilidade hegemónica, exercida pelos EUA desde o final da II Grande Guerra, esteve também associada à disponibilidade dos Estados Unidos em pagar o preço pela sua liderança no Ocidente. Sobre se a Alemanha estava disposta a pagar o preço pela sua liderança, o nosso homem em Berlim ficou em silêncio. E não ar ficou a dúvida sobre se a relutância alemã não era, precisamente, a de pagar o preço da sua liderança.

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