Obsessão em 7/4

Uma interpretação soberba de J. K. Simmons ergue ao patamar superior um retrato de um adolescente em busca de uma identidade.

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Cinecartaz: Trailer Whiplash - Nos Limites

O mérito maior da segunda longa do americano Damien Chazelle é o de capturar na perfeição o momento da adolescência em que a necessidade de assumir a identidade se transforma numa obsessão paredes-meias com a psicose.

Fá-lo através da música, ao ligar um jovem estudante e um professor rigoroso através de um standard de jazz chamado Whiplash, com uma demoníaca linha de bateria num tempo pouco habitual (7/4, que pode ser acelerada para 14/8). Andrew sonha em ser um baterista ao nível dos grandes jazzmen como Gene Krupa ou Buddy Rich, mas a família continua a achar que o seu desejo artístico é uma diletância de menino mimado.

Chazelle revela o “desajustamento” entre Andrew e a família numa cena central cujo desconforto doloroso amplifica de modo certeiro a sensação adolescente do “só contra o mundo”, explicando o que atira o jovem para os braços do ensaiador da banda da academia, cujo grau de exigência vai muito para lá do puramente obsessivo. O professor Fletcher funciona ao mesmo tempo como substituto paternal, sargento instrutor e terror da escola, e reconhece qualquer coisa da sua exigência na dedicação do miúdo ao instrumento.

O que se segue, montado ao ritmo sincopado do bebop clássico, é uma história de aprendizagem da idade adulta em modo quase de recruta dos comandos, cujo convencionalismo e previsibilidade são abafados pela dimensão de duelo maníaco, amplificado ao máximo, entre um aluno que se quer transcender e um professor que busca o quase impossível.

A palavra que define Whiplash – Nos Limites é “intensidade” - é um filme todo ele em crescendo, em direcção a um climax com tanto de cruel como de catártico, com uma energia que faz esquecer as reviravoltas mais ou menos forçadas do guião e uma entrega admirável por parte dos intérpretes. E por muito injusto que seja passar por cima de Miles Teller, a verdade é que o filme pertence por inteiro ao veterano J. K. Simmons, numa interpretação para as calendas (nomeada, como só Hollywood consegue fazer, para o Óscar de melhor secundário...). A complexidade moral e o leque de nuances que o actor empresta ao seu professor, e que Chazelle cataloga com apaixonada discrição, chuta Whiplash para o patamar imediatamente acima do “filme simpático”.

 

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