Incidentes violentos, nervosismo e luto marcaram o dia depois da tragédia

Uma agente policial morta, um ferido, e três ataques contra alvos muçulmanos marcaram o dia seguinte ao atentado contra o Charlie Hebdo em França. Algum nervosismo, mas muita unidade num simbólico minuto de silêncio.

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Abdallah Zekri, presidente do Observatório contra a Islamofobia, pediu às autoridades para “garantir a segurança” dos muçulmanos AFP

O dia a seguir ao atentado terrorista contra o jornal satírico Charlie Hebdo começou com a notícia de uma nova morte: Clarissa Jean-Philippe, agente policial, foi atingida, juntamente com um funcionário municipal que ficou ferido, por um homem empunhando uma arma automática, no Sul de Paris.

A mulher, de 25 anos e que estava ainda em período de estágio, tinha sido chamada ao local devido a um acidente de trânsito que estava a tentar resolver quando o homem armado disparou sobre ela, fugindo de seguida. Ao final do dia, a AFP, citando fontes policiais, noticiou a detenção de dois suspeitos, um dos quais identificado como um homem de 52 anos.  

As autoridades disseram, contudo, não ter elementos que lhes permitissem estabelecer uma relação entre este ataque e o atentado ao Charlie Hebdo – uma informação confirmada ao início da noite pelo ministro do Interior, Bernard Cazeneuve.

As horas seguintes ao ataque na sede do jornal satírico foram marcadas por outros incidentes, de pequena dimensão e que não provocaram vítimas, mas que são sinal do nervosismo que se instalou na sociedade francesa. Os alvos foram dois locais de culto muçulmanos, e um restaurante de kebabs também situado nas proximidades de uma mesquita.

No primeiro ataque, foram lançadas quatro granadas contra uma mesquita num bairro popular em Les Mans, no Noroeste de França. Apenas um dos dispositivos explodiu no pátio, fazendo estragos menores. “Trata-se claramente de uma provocação à comunidade muçulmana, alimentada por um sentimento de islamofobia”, disse Mohamed Bentahar, responsável local da associação dos trabalhadores magrebinos em França, citado pelo Libération. “No clima geral não é um acto banal. É preciso levá-lo a sério. Mas a comunidade muçulmana não responderá à provocação”, acrescentou.

Ainda na quarta-feira, em Port-la-Nouvelle, no Sul de França, houve dois disparos contra uma sala em que costumam rezar entre 30 a 50 muçulmanos, pelas 20h, já depois do fim das preces, quando o local se encontrava vazio. Segundo as autoridades, um homem disparou duas vezes contra a porta com uma arma de baixo calibre, quebrando um vidro.

Às 6h de ontem houve uma explosão num restaurante de kebabs junto de uma mesquita em Villefranche-sur-Saône (perto de Lyon), segundo o diário Le Progrès. A explosão foi de origem criminosa e deixou destruída a vitrina do estabelecimento. “Acredito que isto acontecimento esteja ligado ao acontecimento dramático de quarta-feira”, disse o presidente da Câmara da localidade ao jornal. O incidente está a ser investigado pela polícia judiciária.

Abdallah Zekri, presidente do Observatório contra a Islamofobia, ligado ao Conselho Francês do Culto Muçulmano, a instância que representa o Islão em França, pediu às autoridades para “garantir a segurança” dos muçulmanos. E as duas organizações apelaram também “aos cidadãos de confissão muçulmana para que se juntem de forma massiva à manifestação nacional” do próximo fim-de-semana.

O nervosismo que se sentiu em França na sequência do atentado ultrapassou também fronteiras. Em Madrid, a estação ferroviária Novos Ministérios foi evacuada por causa de um alerta de bomba. No local foi encontrado um pacote suspeito. As autoridades espanholas reforçaram as medidas de segurança nos espaços públicos.

Apesar destes incidentes, o dia após o atentado foi marcado sobretudo por enormes manifestações de solidariedade e de união, que tiveram o seu momento mais simbólico quando, ao meio-dia, o país parou para um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do Charlie Hebdo. Após o minuto de silêncio, os deputados reuniram-se em frente da Assembleia Nacional e cantaram a Marselhesa.

Nos sites dos jornais surgiram textos dando pistas sobre como explicar um atentado como este às crianças. E nas escolas os professores dedicaram parte das aulas ao sucedido. “A maior parte [dos alunos] estão desligados da actualidade e conhecem mal o Charlie Hebdo, Wolinski [um dos desenhadores assassinados] e os outros”, afirmava Raphaelle, professor de um liceu de Grenoble, citado pelo Libération. “Agora já sabem. Charlie vai tornar-se em algo importante para eles.”

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