George Clooney: Hollywood não assinou petição contra hackers da Sony por "medo"

Casa Branca confirma que o ataque inédito é “um assunto sério de segurança nacional” e um dos mais poderosos players do cinema avisa: "o mundo mudou e nem estavam a prestar atenção".

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O cancelamento do filme levou a que o seu material promocional começasse a ser retirado das ruas ROBYN BECK/afp
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George Clooney insurgiu-se contra os efeitos que o ataque teve sobre a indústria Olivier Douliery/MCT
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Uma cena de "The Interview" DR

Mesmo com a Casa Branca a definir o gigantesco ataque informático à Sony como “um assunto sério de segurança nacional” dos EUA e a posicionar-se “do lado dos artistas e das empresas que queiram expressar-se”, o estúdio não consegue ganhar uma batalha. A suspensão do filme The Interview é muito criticada e as relações da Sony no sector estão tremidas. George Clooney entra agora no ringue para revelar que criou uma petição de apoio à Sony e que ninguém na indústria cinematográfica americana a assinou por “medo”. Entretanto, um filme de Gore Verbinsky sobre a Coreia do Norte foi cancelado pela Fox e pela produtora New Regency.

A conferência de imprensa de quinta-feira na Casa Branca foi dominada pelo tema, apesar de se realizar um dia depois da histórica aproximação entre os EUA e Cuba. O porta-voz da administração Obama, Josh Earnest, confirmou: “Há provas que indicam que vimos actividade destrutiva com intenções maliciosas que foi iniciada por um agente sofisticado”. Numa hora de perguntas e respostas em que nunca confirmou ou negou ligações dos hackers identificados como Guardians of Peace (GOP) à Coreia do Norte, Earnest explicou que o governo nada disse à Sony sobre o que devia acontecer ao filme e que apoiou o direito de a comédia de Seth Rogen ser feita sendo que The Interview foi objecto de análise e mostrado a responsáveis da administração Obama em Junho.

Sobre a reacção dos EUA ao ataque “cujos efeitos são os mais assustadores e devastadores de qualquer ataque informático na história do nosso país”, como é descrito na petição que Clooney e o seu agente Bryan Lourd fizeram circular pelos altos cargos de Hollywood, o porta-voz da Casa Branca foi “vago”, classifica o New York Times. Falou da necessidade de uma “resposta proporcional” mas também da noção dos responsáveis do governo de que estas acções têm “muitas vezes” o objectivo de “provocar uma resposta dos Estados Unidos” em sua “vantagem”.

George Clooney, com o peso de ser uma das mais influentes e respeitadas figuras do sector nos EUA, é mais directo. Numa entrevista ao site Deadline, a estrela denuncia o facto de “um país decidir que conteúdos vamos ter. Isto não afecta só o cinema, afecta todas as partes do nosso negócio”, disse, apontando também o dedo aos média pelas escolhas que fizeram sobre as revelações do ataque. “A Sony não cancelou o filme porque tinha medo; cancelou o filme porque todas as salas disseram que não o iam passar” na sequência da ameaça dos hackers que invocava os atentados de 11 de Setembro.

Desde 24 de Novembro que a Sony está sob um ataque informático sem precedentes a uma multinacional que, mais do que revelar material sensível para as relações entre actores e o seu estúdio, libertou informações estratégicas da empresa e dados pessoais de milhares de funcionários — apontada como um dos lados mais graves da fuga de informação. E que resultou na decisão de suspender quaisquer planos de lançamento da comédia sobre uma tentativa de assassinato de Kim Jong-un, o líder norte-coreano. Este volte face custou-lhe créditos na sua reputação.

Uma decisão “onerosa… tanto para o estúdio quanto para a liberdade de expressão” para o presidente do Festival de Cannes, Gilles Jacob, ou para o escritor Stephen King, que considerou a suspensão de The Interview pela Sony “perturbadora”. “Ainda bem que eles não publicam os Versículos Satânicos”, aludiu sobre o romance de 1988 de Salman Rushdie que originou uma fatwa contra o autor, manifestações e violência contra vários dos seus tradutores pelo mundo. Rushdie acredita que o livro hoje não seria publicado devido ao “clima de medo e nervosismo” actual, disse em 2012 à BBC. Outro título que tem sido associado a esta polémica, para além de O Grande Ditador (1940) de Chaplin, é A Última Tentação de Cristo (1988), de Martin Scorsese, que motivou manifestações mas que, ainda assim, se estreou.

Um mundo novo
“Temos um novo paradigma, uma nova realidade”, postula George Clooney no Deadline, evocando a Primeira Emenda da Constituição norte-americana que protege a liberdade de expressão, religião e de imprensa. Uma realidade pós-11 de Setembro, um paradigma de vida online. E um ataque que evoluiu da divulgação de dados pessoais, filmes, guiões ou e-mails para ameaças físicas. “É a definição de terrorismo”, frisa o actor, que fala de “armas de medo” e evidencia que “ninguém assinou a carta” da petição que pretendia apoiar a decisão da Sony de apoiar o filme — que seria suspenso esta semana. “Ninguém se ergueu” em defesa da Sony. “Ninguém tomou essa posição”, lamenta, dizendo que agora se vive o “novo paradigma e uma nova forma de gerir o nosso negócio”. A indústria tem “medo”.

O silêncio de grupos como a Motion Picture Association of America, que representa os seis maiores estúdios dos EUA, ter-se-á devido também à incapacidade da associação de juntar os restantes decisores num apoio público à Sony, escreveu quinta-feira o New York Times. "O mundo mudou no vosso turno e nem estavam a prestar atenção", disse George Clooney sobre os responsáveis da indústria — "e as pessoas ainda estão a falar de e-mails estúpidos".

Clooney prevê problemas de distribuição para filmes com temas sensíveis, como aquele sobre o envenenamento com polónio do dissidente do KGB Alexander Litvinenko em 2006, por exemplo. E os receios de que este tenha sido um precedente perigoso — a decisão inédita de cancelar um filme sob ameaça de hackers que terão intenções políticas — não são infundados. A New Regency e a Fox comunicaram que não vão distribuir o novo projecto do realizador Gore Verbinsky com o actor Steve Carell, que adapta a reportagem-BD Pyongyang, que o canadiano Guy Delisle escreveu após dois meses na capital norte-coreana, disse Verbinski em comunicado. “Antes disto, tínhamos luz verde e financiamento completo da New Regency. Penso ter entendido que, dada a situação na Sony, a Fox decidiu não distribuir o filme.”

E se quarta-feira uma cadeia de cinemas no Texas ripostara ao cancelamento do lançamento de The Interview com a programação de Team America: World Police, um filme de 2004 dos criadores de South Park sobre uma tentativa de assassinato do pai do actual líder coreano, Kim Jong-il, também essa estreia de Natal foi cancelada — o autor de Guerra dos Tronos, George R.R. Martin, atira que “a cobardia é contagiosa” depois de ter criticado o “nível de cobardia corporativa” dos exibidores que começaram a rejeitar estrear The Interview no dia de Natal — filme que se ofereceu para estrear no seu cinema em Santa Fe (Novo México). Também o romancista espiritual brasileiro Paulo Coelho disse querer comprar os direitos de exibição do filme por cem mil dólares (The Interview custou 44 milhões a fazer) para o mostrar no seu blogue.

O New York Times escreve que, tal como era previsível após semanas de má publicidade devido à revelação do teor de e-mails mas também de escalada do grau de ameaça e de penetração dos hackers do GOP, a rede de relações entre os responsáveis do estúdio, os seus braços negociais e criativo está perturbada. Haverá financiadores hesitantes e agentes que representam actores, realizadores, guionistas e outros criativos com dúvidas sobre envolverem-se com um estúdio em turbulência. E há, claro, os visados nos e-mails pirateados, como os actores e realizadores negros, ou os afectados pelo congelamento de The Interview, como o próprio Rogen, que tem ainda um projecto de animação ligado à Sony. 

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