Provedor acusa Governo de “aniquilar” acordos assinados entre câmaras e sindicatos

Para Faria Costa, o veto das Finanças aos acordos para manter as 35 horas semanais viola a autonomia do poder local.

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António Prôa pediu “mais eficácia, mais transparência, mais respeito” no orçamento participativo Pedro Cunha

O provedor de Justiça considera “inaceitável” que o Governo possa “aniquilar” os contratos colectivos celebrados entre autarquias e sindicatos, uma intervenção que, defende, viola a autonomia do poder local. Estes são alguns dos argumentos usados por José de Faria Costa no pedido de fiscalização abstracta de algumas normas da Lei Geral do Trabalho em Funções públicas, enviado ao Tribunal Constitucional (TC).

Em causa está o artigo que "exige a aprovação dos membros do Governo, responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública, quanto aos acordos colectivos do empregador público no âmbito da administração autárquica”.

No pedido enviado ao TC, o provedor começa por dizer que as normas que dão ao Ministério das Finanças poder para intervir nos contratos assinados nas autarquias, e que na sua maioria mantêm as 35 horas semanais, “violam o princípio da autonomia local acolhido no n.º 1 do artigo 6º da Constituição, bem como os termos delimitados para a tutela administrativa contidos no n.º 1 do seu artigo 242º”.

Ao longo de 15 páginas, Faria Costa vai esgrimindo argumentos para sustentar essa convicção, concluindo que fazer depender a celebração dos acordos colectivos da concordância do Ministério das Finanças é uma forma de travar esses processos, que podem ficar bloqueados sempre que o Governo não concorde com as soluções acordadas entre as partes.

“Ante a falta de concordância dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, quanto à celebração de acordo colectivo para ser aplicável no âmbito de determinada autarquia local, com a consequente inviabilidade do seu depósito e eficácia, resulta aniquilada a possibilidade de as autarquias locais e os seus trabalhadores (neste caso, através das associações sindicais) lograrem autonomamente acomodar o respectivo regime laboral”, alerta.

Na prática, diz o provedor, isso é uma “inaceitável expropriação das autarquias locais do seu poder de auto-administração em matéria que respeita aos seus quadros de pessoal”.

Estes argumentos vão encontro dos utilizados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap), autarcas da área metropolitana de Lisboa e Associação Nacional de Freguesias (Anafre), que pediram a intervenção do Provedor.

O horário de trabalho na função pública aumentou de 35 para 40 horas semanais em Setembro de 2013. Na altura o diploma que alterava os tempos de trabalho no Estado passou no crivo do TC com o argumento de que essa realidade poderia ser alterada por contratação colectiva.

Desde então, os sindicatos e as câmaras, juntas de freguesia e outros organismos autárquicos, assinaram centenas de acordos para a manutenção do horário semanal de 35 horas e nunca chegaram a impor as 40 horas. Entre elas estão Lisboa ou Cascais.

O problema é que o Ministério das Finanças recusou-se a publicar esses acordos e pediu um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República. O parecer foi enviado ao Governo em Maio, mas só foi homologado em Setembro, e vai no sentido de considerar que as Finanças devem fazer parte das negociações, ao lado dos organismos autárquicos.

Na altura, o secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, comprometeu-se a renegociar os acordos colectivos pendentes, mas passados quase três meses não houve avanços. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre o ponto em que está a renegociação dos acordos e se tem havido reuniões com as autarquias, mas não teve resposta.

Agora o provedor pede ao TC que avalie a constitucionalidade das alíneas do artigo 364º da Lei Geral do Trabalho, que fazem depender os acordos celebrados entre as autarquias e os sindicatos da homologação do Ministério das Finanças.

Cortes salariais nas empesas públicas pagam dividendos a privados
O provedor pediu também a intervenção do TC na questão relacionada com os cortes salariais dos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público. Essa medida, refere, viola o princípio da proporcionalidade, porque não prevê que as empresas públicas entreguem aos cofres do Estado as quantias retiradas aos trabalhadores.

Na prática, refere o pedido enviado ao TC, a “supressão parcial da remuneração destes trabalhadores, para além de não satisfazer integralmente fins públicos de alívio da despesa pública”, serve para pagar dividendos aos accionistas privados.

“Não pode racionalmente compreender-se como adequada uma medida que, atingindo trabalhadores de empresas cujos capitais são maioritariamente públicos e sem que esteja determinada a entrega nos cofres públicos dos montantes correspondentes às reduções remuneratórias que atingem aqueles trabalhadores, se revela apta, em absoluto contraste com o seu afirmado desiderato, a gerar distribuição, na proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, detentores do capital remanescente”, justifica Faria Costa.

A questão já tinha sido levantada a propósito do Orçamento do Estado para 2014 pelo provedor, mas o TC acabou por chumbar os cortes salariais previstos no documento e acabou por não apreciar o pedido do provedor.

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