O Ípsilon chegou ao Brasil com a voz "emocionante" de Gisela João

O ípsilon Brasil, versão mensal do suplemento de Cultura do PÚBLICO distribuída gratuitamente com a Revista da Cultura, foi lançado em São Paulo no teatro da Livraria Cultura com um concerto da fadista Gisela João. Do susto à emoção.

i-video
O Ípsilon chegou ao Brasil Imagens:José Afonso/Edição: Vera Moutinho

Final de tarde desta segunda-feira e na Livraria Cultura, no centro comercial Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo, há um corrupio. Nos três andares, onde se vendem livros, revistas, música e filmes, há quem converse na cafetaria, quem esteja sentado em sofás e em puffs a passar os olhos pelas últimas novidades que chegaram àquele espaço de 4300m2, a maior livraria do país, como os novos romances de Chico Buarque ou de Haruki Murakami.

No último andar da livraria que foi inaugurada em 2007 fica o Teatro Eva Herz com uma plateia de 200 lugares. A portuguesa Gisela João irá fazer ali o seu primeiro concerto num teatro brasileiro no evento do lançamento do Ípsilon Brasil, a versão mensal do suplemento cultural do PÚBLICO que passou a ser distribuído gratuitamente, a partir deste mês, com o suplemento da livraria, a Revista da Cultura. É um pacote embrulhado em celofane, capa portuguesa de um lado, capa brasileira do outro.

“O Ípsilon junto com a Revista da Cultura funciona como uma visão europeia daquilo que fazemos na nossa revista, pois temos uma visão bem brasileira. E a parceria funciona como uma sinergia”, disse na apresentação Pedro Herz, o dono da Livraria Cultura e publisher da revista que é distribuída gratuitamente nas 19 lojas que a livraria tem em dez cidades do Brasil. É “uma ferramenta, um laço de relacionamento” com os clientes, explica. “Vai para clientes que têm uma relação especial com a livraria e também para assinantes que moram em regiões onde não existe Livraria Cultura mas que conheceram a revista e gostaram tanto que pagam para receber”, explica ao PÚBLICO o editor-chefe Gustavo Ranieri, que trabalha com uma redacção de sete pessoas.

“É uma revista contemporânea de cultura mas também de comportamento, que foi criada para competir com revistas de banca” quanto a conteúdos, apesar de ser distribuída gratuitamente. Ranieri acredita que o futuro do jornalismo passa por publicações patrocinadas, em boa parte distribuídas gratuitamente, mas feitas com uma qualidade impecável: "Você tem o seu público selecto, você oferece a ele um conteúdo de extrema qualidade e busca anunciantes e patrocinadores que compreendem aquele público e querem comunicar com ele. O leitor ganha porque recebe um produto de qualidade, a empresa ganha e o patrocinador também.” O slogan: “Jornalismo para quem tem opinião própria.”

O leitor tem de gostar de ler de facto e a revista esgota em duas semanas. “Quando conheci o ípsilon e, agora, quando o vi junto com a revista, sempre achei que combinavam. Nunca há [nos dois] uma matéria seca ou fria. É sempre algo que permite desdobramentos. Os olhares contemporâneos das duas revistas se cruzam. Uma aborda esse olhar contemporâneo de um Brasil gigante e a outra aborda outro mundo gigante, um olhar contemporâneo europeu. As revistas relacionam-se de forma muito positiva: não seguem padrões.”

Do susto às lágrimas
Gisela João, cujo disco foi considerado pelos críticos do Ípsilon o melhor de 2013, foi convidada pelo PÚBLICO a cantar no lançamento oficial desta parceria. Entrou em palco com um modelo do mini-vestido pérola que faz a foto de capa da edição Brasil do suplemento. A historiadora Ângela Martins, carioca de visita a São Paulo e no concerto com uma amiga que já não via há 20 anos, apanhou “um susto”, contará no final ao PÚBLICO. “No início é um susto ver uma cantora de fado com aquele vestidinho branco, uma visão muito moderna tão diferente da ideia tradicional que temos de fado com as cantoras vestidas de negro. Mas à terceira canção me esqueci de tudo isso e a emoção tomou conta de mim completamente. Até lembrei da Bethânia na coisa dela tirar a sandália em palco.”

Carolina Costa está na fila para a sessão de autógrafos no final do espectáculo. É advogada. Diz que este foi um dos shows mais inspiradores que já viu. “Meus olhos encheram de lágrimas por duas vezes. Além de ter uma voz lindíssima, ela é uma pessoa extremamente graciosa e simpática”, contou. António Germano, médico português a viver no Brasil desde 1975, já sabia ao que vinha porque tinha visto um concerto de Gisela João em Espinho. “É uma fadista diferente. Ela se abre tanto, a maneira singela como ela se expõe a cantar descalça. Faz a ligação com o fado antigo e tradicional e o mais moderno.”

Tal como costuma fazer nos seus concertos, Gisela foi, ao longo do espectáculo, conversando com o público que incluía convidados - como os patrocinadores da parceria entre o jornal português e a revista brasileira (representantes da EDP, Sonae Sierra Brasil e Universidade de Coimbra) e clientes da livraria que puderam levantar senhas até à lotação da sala. O reportório foi o do seu disco de 2013 e incluiu uma surpresa para a plateia maioritariamente brasileira: cantou a cappella e com sotaque de português do Brasil a canção A flor e o espinho, de Guilherme de Brito, popularizada por Nelson Cavaquinho.

“O fado aqui no Brasil é visto como uma música triste, muito tradicional, e a Gisela João fez uma releitura alegre, jovem, sexy”, diz no final Cassiano Elek Machado, que editou Valter Hugo Mãe no Brasil quando estava à frente da editora Cosac Naify (é agora editor da Planeta). “Também cantou muito bem a música brasileira de Guilherme de Brito que era cantada por Nelson Cavaquinho. Podia fazer uma carreira no Brasil cantando música brasileira se quisesse”, acrescentou a rir-se.

Também Flávio Pinheiro, superintendente executivo do Instituto Moreira Salles, achou o concerto “sensacional e os músicos muito bons”. Com uma longa carreira no jornalismo, assinante há alguns anos do Ípsilon no Ipad, diz que é aí que se informa muito sobre livros e discos que saem em Portugal e que ainda não saíram no Brasil. “Há uma qualidade ainda na vida editorial portuguesa, nas escolhas que os editores portugueses fazem. Por exemplo, o grande livro do escritor israelita David Grossman que acaba de sair aqui, por exemplo, já está publicado em Portugal há muito tempo. E na verdade, nenhum jornal brasileiro tem uma versão iPad como a do ípsilon, onde se possa ler um capítulo de um livro ou ouvir uma música a acompanhar uma resenha de um disco. Parece uma coisa simples, mas no Brasil ninguém faz isso”, acrescenta.

Sobre a distribuição de uma versão mensal do ípsilon no Brasil com a Revista da Cultura, Alzira Arouca, brasileira que trabalhou em Portugal e que hoje trabalha no Brasil na produção na área do jazz e da clássica, com Mário Laginha por exemplo, considera que “nos jornais brasileiros falta essa substância que há nos jornais europeus, como o El País”. E por isso acredita que “o Ípsilon com a Revista da Cultura só pode constituir uma ponte muito feliz.”

O fotógrafo Amâncio Chiodi estava impressionado com “a matéria” dedicada ao documentário German Concentration Camps Factual Survey, feito a partir do material filmado pelos Aliados quando libertavam os campos de extermínio com supervisão de Hitchcock, um dos temas seleccionados para a edição. “Nos mostra coisas que a gente não sabia. Com a rapidez do online, as publicações virtuais não têm mais espaço para a reflexão como acontece neste ípsilon.”

André Simões, radialista, e Daniela Sousa, psicanalista: “Nós já líamos na Internet, mas em papel é muito mais gostoso.”

Sugerir correcção
Ler 1 comentários