Presidente do Supremo avisa que a pretexto da crise se enfraqueceu o Direito do Trabalho

Magistrado considera que há "cedências à colonização economicista" e que a "garantia dos vínculos e a protecção do trabalhador enquanto condição de liberdade" está enfraquecida.

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Henriques Gaspar lidera o Conselho Superior da Magistratura NELSON GARRIDO

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) avisou esta quarta-feira que o Direito do Trabalho sofre "a desconstrução das suas categorias fundamentais, enfraquecendo-se, a pretexto da crise, em cedências à colonização economicista".

António Henriques Gaspar falava na abertura de um Colóquio sobre Direito do Trabalho, no STJ, em Lisboa, numa sessão que teve a presença da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Nas palavras do presidente do STJ, com a mudança do ambiente político, económico e social, a crise foi sendo "o pretexto para a emergência de um discurso que exige a recomposição de categorias jurídicas, com a consequente modificação do direito do trabalho".

"A fragilização do carácter protector do Direito do Trabalho, através do esbatimento do estatuto, em favor da dimensão especificamente contratual e privatística, enfraquece a garantia dos vínculos e a protecção do trabalhador enquanto condição de liberdade, gerando a balcanização das formas de emprego", disse Henriques Gaspar. Neste contexto, referiu que as empresas, ao procurarem "adaptar-se às alterações de percurso, por vezes súbitas, resultantes das globalizações, e às oscilações bruscas dos mercados, diminuem consequentemente o trabalho estável".

"Os novos postos de trabalho são, assim, temporários, precários, com jornadas reduzidas; ou os tempos de trabalho aumentam com salários mais reduzidos. Há uma maior segmentação dos mercados de trabalho, com enorme heterogeneidade das formas de emprego", apontou.

Por tudo isto, segundo o presidente do STJ, operou-se "o agravamento das condições de trabalho, o risco de fractura social e a emergência social de um segmento de excluídos - os excluídos dos mercados de trabalho".

Henriques Gaspar falou da necessidade de se alcançar "consensos" sobre políticas económicas, de promoção do emprego e defendeu que o Direito do Trabalho tem hoje "a missão de contribuir para a prevenção da insegurança e para a estabilidade relacional". Lembrou ainda que o direito do trabalho é também, "em boa parte, direito constitucional em acção", enfatizando que "o respeito pela dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho (...) deve respeitar a integridade do núcleo intocável de direitos constitucionais".

"É um campo para onde irradiam valores constitucionais e que fica cada vez mais impregnado pela vinculação e efeito directo dos direitos fundamentais, como é também revelado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em interessantes decisões sobre o conteúdo e acção nas relações de trabalho", concluiu.

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