Na despedida, Barroso defende que UE está mais forte do que antes da crise

Presidente cessante da Comissão Europeia faz o último discurso no PE e é criticado por não referir o desemprego

Foto
“Auf Wiedersehen, goodbye, au revoir, adeus.” PATRICK HERTZOG/AFP

Uma União Europeia que esteve à beira do abismo mas já não está. Mais, que tem mais instrumentos para lidar com crises futuras (ainda que não tenha saído da actual): na despedida, no final de dois mandatos, o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, quis deixar a ideia de que a UE está hoje mais forte do que quando assumiu, inesperadamente, o cargo, há dez anos.

Nessa altura, a UE tinha 15 membros, hoje tem 28, lembrou. Enfrentando entretanto uma crise sem precedentes, e sem instrumentos para lidar com ela, a UE acabou, no entanto por sair fortalecida, com competências que antes da crise seriam inimagináveis.

“Muitos vão dizer que a União Europeia está mais fraca”, disse Barroso. “Mas está mesmo? Antes da crise não tínhamos instrumentos para a ameaça iminente de incumprimento. E hoje temos”, declarou.

“A Comissão tem hoje mais poderes, o Banco Central Europeu supervisiona os bancos da zona euro (isso seria impensável há cinco anos), há uma união bancária”, disse, lembrando que “quando propus esta ideia da união bancária numa entrevista, recebi telefonemas a dizer que não estava previsto nos tratados, e não estava mas era preciso para cumprir o que estava nos tratados.”

O euro, apesar da crise, “é uma moeda credível e estável”, continuou. “Mas o crescimento ainda está tímido e abaixo das expectativas”, admitiu. No entanto, Barroso defende que a ideia de que a Comissão está completamente focada na austeridade “é uma caricatura”. A solução tem de assentar na consolidação fiscal, nas reformas, e no investimento - mas investimento sustentável, não assente em dívida, sublinhou.

Antecipando críticas que lhe pudessem ser feitas (e foram - de que foi mais um seguidor do que um líder, por exemplo), o presidente cessante disse que preferiu ter uma postura mais discreta “para que a comissão não fizesse parte da cacofonia numa altura sensível” em que os mercados reagiam a qualquer declaração. “Mas muitas vezes fiz pedidos dramáticos aos países mais ricos para mais solidariedade e aos países mais pobres para mais responsabilidade.”

Ao “glamour intelectual do pessimismo”, Barroso contrapôs com o que disse ser “uma boa folha de serviço" com as conquistas conseguidas, da aprovação do Tratado de Lisboa ao alargamento ao Leste à União Bancária, ao facto de se ter evitado uma saída da Grécia do euro e o efeito dominó que esta traria. “Estivemos muito perto do incumprimento - não vamos usar palavras educadas: à beira da bancarrota! - de alguns Estados-membros”, repetiu. “E hoje, dos países que pediram ajuda, Portugal e a Irlanda saíram do programa com sucesso. A Irlanda é um dos países que tem um crescimento mais rápido. E os que enfrentavam risco de colapso estão numa posição mais confortável.”

Nem todos os que o ouviram concordaram. O presidente do grupo Socialistas e Democratas (S&D), Gianni Pitella, queixou-se de não ter ouvido no discurso do Presidente da comissão  “uma única vez a palavra desemprego”. Acusou Barroso de se submeter “ao pecado original, a austeridade”, que “impede os Estados-membros de investir” e lembrou que o pacto é “de estabilidade e crescimento, não só de estabilidade”. 

Dos Verdes, Philippe Lamberts frisou esta realidade com números: “nos últimos dez anos há 27 milhões de desempregados, e isto sem falar nos subempregados que serão ainda mais 3 milhões.”

Tanto Pitella como Lamberts falaram do euroceptiscismo que aumenta: hoje a sua representação é muito maior no Parlamento Europeu, e a descrença dos cidadãos no projecto europeu também aumentou: “menos de 1/3 dos cidadãos têm confiança na integração europeia. Há 5 anos, eram 50%”.

Como que a sublinhar o ponto dos eurocépticos, o alemão Bernd Lucke, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), causou uma pequena confusão tentando introduzir uma moção, que o presidente do Parlamento, o seu conterrâneo Martin Schulz, recusou por não respeitar os procedimentos (“desculpo-o por ser um membro recente”, disse Schulz), e Nigel Farage, do britânico UKIP, teve um discurso cheio de tiradas irónicas dirigidas tanto a Barroso como ao Governo britânico: “Obrigado por ter lembrado a Cameron que quem manda é você e não ele”.

Barroso não deixou, antes, de lançar uma farpa que poderia ser dirigida ao primeiro-ministro britânico, lembrando que quem aprovou medidas como o Tratado de Lisboa “foram todos os Estados-membros, incluindo aqueles que o parecem esquecer”. E de se defender das críticas, “que vêm dos dois extremos, muitas vezes ao mesmo tempo e com o mesmo tom”.

Mas preferindo focar-se no positivo, num discurso por vezes empolgado, Barroso elegeu o momento em que a UE ganhou o Nobel da Paz como um dos mais emocionantes do seu mandato. Terminou despedindo-se em várias línguas: “Auf Wiedersehen, goodbye”, começa, e faz uma pequena pausa antes de continuar: “au revoir, adeus. Thank you, muito obrigado.”

O Público viajou a convite do Parlamento Europeu

Sugerir correcção
Ler 11 comentários