Um Brasil de cabelos brancos

Este ano, o PÚBLICO pergunta a diversas personalidades brasileiras para onde vai o Brasil. Hoje, fala-se da demografia.

Poucas são as informações confiáveis sobre a população brasileira no período pré-censitário, seja sobre o contingente ou fatores da dinâmica demográfica. A partir do primeiro censo em 1872, no tempo do império, temos dados sobre o tamanho e características básicas da população. Mas só a partir de 1940 começam a ser investigados aspectos das componentes demográficas.

Há muitas estimativas sobre o período pré-censitário, mas com valores díspares. As feitas por autores do século XIX com base em registros religiosos e censos coloniais são entre 15 e 30 mil pessoas nos cinquenta anos depois do descobrimento. É provável um viés para menos, por causa de povos indígenas não contabilizados.

No primeiro Censo nacional em 1872, foram contados pouco mais de 10 milhões de habitantes. Daí, os censos foram feitos em intervalos decenais com alguns percalços: não houve censo em 1910 e 1930 e o de 1990 foi adiado. O último, em 2010, contou quase 200 milhões de brasileiros. Estes são o resultado de uma história populacional que pode ser sintetizada em três períodos básicos.

No primeiro, do século XIX até 1930, a população tinha taxas de natalidade e mortalidade relativamente altas e, portanto, baixo crescimento vegetativo. Mas, entre 1870 e 1930, há aumento populacional significativo fruto da imigração internacional com taxas de crescimento acima de 2% a.a.

Em 1940, vem o segundo período quando os níveis de mortalidade começam a cair e os movimentos de origem internacional perdem importância. A mortalidade tem uma queda rápida e sustentável e passa a ser o principal fator na variação do rítmo de crescimento da população até 1970. Aliado aos altos níveis de natalidade, fez com que o crescimento atingisse o auge nos anos 50 e 60 com taxas médias em torno de 2,9% a.a..

No fim da década de 60, os níveis de fecundidade começam a cair muito. Equilibram a redução, ainda em curso, na mortalidade e impedem que a taxa de crescimento continue a aumentar. Começa o terceiro período caracterizado pela redução rápida na taxa de crescimento populacional no Brasil. Dos quase 3% ao ano, entre 1950-1970, essa taxa passa para 1,2% ao ano entre 2000-2010. Para 2014, estima-se que a população já com 203 milhões de habitantes, se estabilize e comece a declinar em 20 anos.

Apesar de importante, a queda nos índices de mortalidade e fecundidade não tem sido homogénea espacialmente ou nos grupos sociais. Os indicadores de distribuição espacial da população apontam um aumento de habitantes nas áreas urbanas. Em 1940, 31% da população brasileira vivia em cidades, em 2010, 84,4%. Desde os anos 70, a população rural apresenta uma diminuição absoluta. De 2000 a 2010, foi de cerca de dois milhões de pessoas. Na década anterior havia sido o dobro.

Como o crescimento natural é menor nas áreas urbanas que nas rurais, o crescimento populacional mais elevado nas primeiras deve-se ao intenso êxodo rural que caracteriza o processo de urbanização brasileiro e migração de pequenos centros para grandes cidades.

Uma das transformações sociais mais importantes do século XX foi a queda da mortalidade em todos grupos etários, do período fetal às idades avançadas. Entre 1980 e 2014, a esperança de vida da população masculina brasileira passou de 58,8 anos para 71,6 anos e a das mulheres aumentou de 65 para 78,8 anos.

A taxa de fecundidade total passou de 6,2 filhos como regista o Censo de 1940 para 1,9 em 2010. No meio rural, os valores foram cerca de 50% mais altos, mas compensados pelos urbanos. Estima-se que a partir de 2001 as mulheres urbanas já apresentassem taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. Vários estados, principalmente no Sudeste e Sul, apresentam taxas abaixo da média nacional. As projeções são para a continuidade da queda da fecundidade e alguns autores preveem a entrada no quarto período demográfico. A queda da mortalidade e da fecundidade no Brasil e outros países em desenvolvimento foi mais rápida do que a da maioria dos países desenvolvidos.

A migração internacional, importante na virada do século XX, se inverte no começo deste século, com exôdo, principalmente de adultos jovens, mas com um retorno na última década com a crise internacional.

Essas transformações apontam para um nova situação populacional no Brasil e colocam grandes desafios para as políticas públicas. Um se destaca pela complexidade: o crescente envelhecimento populacional em paralelo à emergência de uma onda jovem significativa. A queda da fecundidade no país, desde a segunda metade dos anos 60, tem provocado redução da base da pirâmide. Com a diminuição da população em idade escolar (retração de 1,5 milhões entre 2000 e 2010 para a população entre 5 e 14 anos) existem oportunidades para o aumento da cobertura e da qualidade de ensino básico.

A queda na mortalidade, que inicialmente beneficiou mais crianças, atinge hoje mais a população adulta e idosa. Além do maior número de idosos, as altas taxas de crescimento no passado refletem-se também na população em idade ativa; aumento de quase 20 milhões entre os últimos censos para a população entre 15 e 59 anos e exige a criação de postos de trabalho de qualidade.

Diferentemente dos países desenvolvidos, o processo de envelhecimento populacional ocorre mais rapidamente no Brasil, com menos tempo para adaptação. Estima-se que a população acima de 60 anos esteja em 25% em 2040, em oposição aos 10% de 2010. Os impactos são principalmente no aumento da taxa de dependência: razão da população inativa e da população em idades economicamente ativas. Essa taxa tem duas visões complementares e distintas: no âmbito da família e no da sociedade. Para o governo, o custo de idosos frente ao outro grupo inativo de crianças e adolescentes é maior e mais preocupante. Para as famílias, os idosos com pensões e aposentadorias são provedores de renda e sustentam descendentes. A aposentadoria num mercado de trabalho instável é uma fonte de renda bem-vinda e segura. No entanto a estabilidade do sistema previdenciário é um problema a ser encarado. Estima-se que desde o final do século passado os gastos com benefícios previdenciários sejam superiores ao arrecadado com base na folha de salários. 

Professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE)

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