Seguro e Costa: notas de um outsider interessado

A experiência das primárias deixa um desafio para o sistema político português e, em particular, para o PSD.

1. As eleições primárias do PS correram bem aos socialistas, correram francamente bem. Não é difícil elencar as vantagens e as desvantagens da escolha deste método para seleccionar o líder de um partido e ou o candidato a chefe do executivo. Esses prós e contras têm sido, de resto, largamente apresentados e debatidos nos últimos meses na esfera pública portuguesa. Mas a verdade é que, tendo as coisas corrido como correram – com uma mobilização muito relevante, uma participação a corresponder e um resultado clarificador –, a experiência provou e provou bem. O que, naturalmente e só por si, deixa um desafio para o sistema político português e, em particular, para o PSD. O amplo efeito legitimador deste método – potenciado pela graça mediática de que gozou, goza e gozará António Costa – põe um repto aos restantes partidos e um repto especialmente exigente ao PSD.

2. A escolha deste método e o seu sucesso (ao menos conjuntural) têm de ser postos a crédito de António José Seguro. Alguns dirão que talvez seja exagerado fazer esse tributo. E di-lo-ão, estribados numa análise ultimamente muito repetida, de que o recurso às eleições primárias por Seguro foi puramente táctico e instrumental. Terá sido; decerto terá sido também instrumental. Importa todavia fazer justiça a António José Seguro. Com efeito, nem todos, postos na situação de Seguro assim que se viu desafiado por António Costa, teriam arriscado esta solução. Na verdade, talvez muita gente não saiba ou não se lembre (ou queira fazer esquecer) que Seguro, representando embora mais do que outros (e claramente mais do que Costa) a chamada “lógica de aparelho”, tem um longo currículo no esforço de abertura do sistema político português. Algumas das melhores reformas do funcionamento do parlamento português têm o contributo e até a impressão digital de António José Seguro. São também conhecidas algumas das suas ideias em matéria de estatuto dos partidos, de regulação do financiamento partidário, de estatuto individual dos deputados e assuntos afins, em que sempre mostrou uma grande abertura reformista (incompatível com um espírito de jaez “aparelhista”). Não me refiro obviamente à deriva populista deste último “pacote da transparência” apresentado na Assembleia da República, que revelava já, em muitos dos seus aspectos “higienistas”, um eventual desespero eleitoral. Precisamente porque tem aquele percurso e deixa aquele legado, seria injusto pensar que o recurso às “primárias” se resumiu a um mero instinto de sobrevivência ou de prolongamento da sobrevivência.

Reconhecer sem rebuço esta qualidade e estas qualidades de Seguro não significa que ele fosse ou tivesse sido um bom líder partidário, um bom líder para o PS. De facto, não era; de facto, não foi. E, por isso, o resultado das primárias não espanta nem surpreende tanto como alguns parecem supor. Seguro não inscreverá o seu consulado na história dos feitos do PS, mas a sua decisão de lançar as primárias constituiu um importante precedente. Um precedente que, sem ser aceite acriticamente nem mistificado, deve ser tido em conta.

3. Já António Costa tem todas as condições para ser um bom líder do PS, seja pelas qualidades pessoais e profissionais, seja pela exacta oportunidade em que entra em funções, seja pela unção que as primárias e o resultado gordo lhe dão. Subsiste pois a expectativa consistente de que António Costa será um líder competente e até bem difícil para os seus adversários. A confirmar-se esta expectativa, cura-se de uma boa notícia para o PS, mas também – há que dizê-lo sem espírito de facção ou de secção – para o país. A circunstância de o maior partido da oposição ter uma liderança mais actuante e mais eficaz contribui, em geral, para melhorar a qualidade da produção política global. Naturalmente, a eleição de Costa põe desafios de grande exigência e dureza ao PSD, à coligação e ao Governo. Mas isso, note-se, não é necessariamente mau para estes, pois obriga os partidos do Governo e o próprio Executivo a qualificar a sua acção e a apurar a sua estratégia. Assim saibam ler o desafio e responder-lhe à altura; apesar de todas as adversidades, o PSD, a coligação e o Governo dispõem de boas condições para isso. Em suma, a eleição de Costa vai introduzir competitividade na luta política e isso deve ser visto pelos restantes partidos mais como um incentivo do que como uma contrariedade.

4. Costa, no entanto e logo na abertura, já deu um mau sinal. A circunstância de não ter sequer cumprimentado Seguro no discurso de vitória contrasta com o impecável fair-play democrático de que este deu provas na noite de Domingo e na consecutiva renúncia ao lugar no Conselho de Estado. A omissão de Costa faz ecoar a arrogância e a hostilidade socrática e esse é manifestamente um mau caminho. Trata-se, aliás, de um ponto sensível para avaliar Costa e a sua prestação. Como irá ele lidar com a herança dos Governos Sócrates e, em especial, com os rostos mais emblemáticos desse tempo de governação socialista? Enveredará por uma desejável renovação e aggiornamento ou procederá a uma reabilitação desse período político e dos seus protagonistas? A resposta a esta questão e a forma como organizar os equilíbrios a que (já) não pode fugir constituirão uma poderosa indicação sobre o seu estofo político e o seu projecto programático.

SIM e NÃO

SIM. Coligação contra o Estado Islâmico. A adesão da comunidade internacional (também de Portugal) à coligação é motivo de esperança na defesa dos valores mais básicos da dignidade humana.

NÃO. Situação na justiça portuguesa. Os sérios problemas informáticos revelados no início do novo mapa judiciário exigem uma resposta institucional mais cabal e mais tranquilizadora, seja para o curto, seja para o médio prazo.

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