Nova Comissão Europeia: tudo na mesma?

A forma como o presidente da Comissão está a organizar a sua equipa de comissários não dá quaisquer garantias de que a sua promessa de mudança se possa materializar.

Jean-Claude Juncker, o futuro sucessor de Durão Barroso na Comissão Europeia (CE), comprometeu-se a substituir a austeridade cega dos últimos anos por políticas de relançamento do crescimento e emprego e a colmatar as lacunas subjacentes ao modelo de construção do euro.

Foi com base nestas promessas que conseguiu alargar a sua base política de apoio, recebendo, em Julho, o voto favorável de muitos socialistas europeus na sua eleição para presidente da CE. Esta decisão também foi tomada em respeito do compromisso assumido pelas grandes famílias políticas europeias nas eleições de Maio de que o candidato do partido vencedor das eleições europeias (PPE) seria o novo presidente da CE.

A nova CE só poderá entrar em funções (a 1 de Novembro) se o Parlamento Europeu (PE) a aceitar numa votação prevista a 21 de Outubro. Nessa altura, o voto dos socialistas – que apesar de terem aceitado Juncker em Julho, não lhe deram um cheque em branco – voltará a ser decisivo.

No entanto, a forma como o presidente da CE está a organizar a sua equipa de comissários não dá quaisquer garantias de que a sua promessa de mudança se possa materializar.

Juncker cumpriu um dos compromissos relativo à nomeação de um comissário socialista o francês Pierre Moscovici para tutelar a pasta dos assuntos económicos, o que engloba a vigilância do cumprimento das regras de consolidação orçamental, incluindo a possibilidade de aplicação de sanções em caso de derrapagens repetidas. À partida, a entrega da pasta a um socialista seria um sinal de esperança numa mudança nas políticas de austeridade impostas nos últimos anos a vários países (para enfrentar uma crise provocada pelo sector financeiro) e que conduziram a Europa à grave crise económica e social em que se encontra.

O problema é que, a acompanhar esta decisão vem outra, também tomada por Juncker, que, a concretizar-se, anulará totalmente a primeira: a de nomear dois vice-presidentes com responsabilidades de “coordenação” de vários comissários das áreas económicas, incluindo Moscovici: o finlandês Jyrki Katainen e o letão Valdis Dombrovskis, ex-primeiros-ministros dos respectivos países.

A escolha destes dois vice-presidentes entre os mais duros defensores das políticas de austeridade dois verdadeiros “falcões” nas políticas orçamentais – só pode ser interpretada como uma forma de, na prática, perpetuar o statu quo imposto pela CE cessante. Ambos continuam indiferentes às verdadeiras causas do estado de degradação da economia europeia, insistindo em que as “reformas estruturais” sobretudo do mercado de trabalho – acabarão por funcionar como a panaceia universal que substituirá as medidas urgentes e necessárias para resolver os gravíssimos problemas de divergência, recessão, deflação e desemprego abissal.

Katainen, que terá a seu cargo a coordenação das iniciativas de "Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade", foi, enquanto ministro das Finanças e primeiro-ministro da Finlândia, um dos maiores críticos das ajudas aos países em dificuldades, como Portugal e Grécia. Dombrovskis, que aplicou no seu país um dos programas de austeridade mais duros de toda a UE, vai por seu lado coordenar as questões do "Euro e Diálogo Social", o que inclui os processos de vigilância dos orçamentos dos países europeus.

Acresce que nenhum dos dois vice-presidentes indigitados revelou alguma preocupação particular sobre a urgência de relançar a economia. Também não explicam se, e como, pensam flexibilizar a interpretação das regras de governação do euro.

Além deste problema de fundo, a arquitetura em si da Comissão Juncker também levanta sérios problemas: ninguém consegue perceber quem assumirá, afinal, nomeadamente perante o PE, a responsabilidade das decisões tomadas nas áreas económicas, o que é particularmente preocupante tendo em conta o perfil de Katainen e Dombrovskis.

A confusão é tanto maior quanto Juncker afirmou que os vice-presidentes (sete, no total de 28 comissários) terão um papel de "filtro estratégico" na definição da linha política da instituição, em conjunto com o poder de "travar qualquer iniciativa, incluindo iniciativas legislativas", de um comissário sob a sua coordenação, o que, na prática, equivale a um direito de veto.

A grande questão que está sem resposta é saber quem é que vai definir a agenda económica europeia: Moscovici, ou os dois vice-presidentes pró-austeridade?

Enquanto coordenadora dos 16 deputados efectivos e 15 suplentes do grupo socialista europeu (S&D) na Comissão Parlamentar dos Assuntos Económicos e Monetários do PE, incitei os meus homólogos dos outros grupos a que pedíssemos formalmente a Juncker para "clarificar o papel exacto" dos comissários com responsabilidades na área económica, "explicar detalhadamente como é que se coordenarão com os vice-presidentes” e “quem terá a responsabilidade final pelas decisões".

A resposta que recebemos reforça os nossos piores receios sobre o risco de que acabem mesmo por ser os “falcões” pró-austeridade a definir a agenda económica europeia dos próximos cinco anos. Nesse caso, as promessas feitas relevariam de uma fraude política…

Aguardaremos o que resultar do diálogo em curso com Juncker e das audições dos candidatos a comissários no PE, sabendo que nem os ensinamentos da crise nem as suas desastrosas implicações nas economias mais frágeis permitem que qualquer socialista confirme uma nova Comissão Europeia que não dê garantias de estar realmente empenhada em cumprir a promessa de mudança da agenda económica.

Eurodeputada pela Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas

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