Citius tem um mês para ficar bom, colapso era afinal previsível

“É urgente trabalhar na substituição da plataforma informática, porque vai ter um bloqueio total em dois, no máximo três anos”, anuncia dirigente do Ministério da Justiça.

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Renato Cruz Santos

A plataforma informática dos tribunais deverá regressar ao pleno funcionamento no mês que vem, segundo informações que estão a ser fornecidas a alguns dos juízes que dirigem as novas comarcas. “Posso falar num horizonte de três semanas, quatro no limite", confirmou o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, em declarações à Rádio Renascença.

De acordo com as informações prestadas aos juízes no final da passada semana, a distribuição electrónica de processos aos magistrados — que devia ter acontecido no passado dia 1 de Setembro — está agora marcada para o final deste mês. A normalização do sistema Citius deverá fazer-se durante Outubro. Recorde-se que a ministra Paula Teixeira da Cruz se recusou, na quarta-feira, a avançar dados concretos sobre o assunto: “Depois do que sucedeu não me vou comprometer com uma data”, declarou, no final de uma cerimónia no Ministério da Justiça.

Foi nessa mesma cerimónia que o presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, Rui Pereira, assumiu publicamente ter sido ele a assegurar à governante que o Citius estava em condições de suportar a reorganização dos tribunais que entrou em vigor no início do mês. Menos de 24 horas depois, porém, avançou novas explicações sobre o assunto: "Este colapso estava pré-anunciado, mas não havia forma de desenvolver uma plataforma alternativa num curto espaço de tempo", disse à TSF.

“Se essas declarações foram produzidas é gravíssimo”, observa o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, que enviou uma carta aberta à ministra e ao Conselho Superior da Magistratura exigindo medidas urgentes de gestão de crise que possam ajudar a ultrapassar os problemas causados pelo colapso informático. "Decorridos mais de 15 dias da entrada em vigor da reforma, continuam por distribuir nos tribunais milhares de processos, que não são movimentados porque nem sequer está definido quem são os juízes e os funcionários responsáveis por eles", pode ler-se na missiva. Insistindo na aprovação de legislação que suspenda todos os prazos processuais até que a situação fique normalizada, a Associação Sindical de Juízes quer sugere a criação de um mecanismo "institucional, isento e imparcial" de monitorização da reorganização do mapa judiciário, assegurado por uma entidade independente.

Rui Pereira revelou também que o Citus terá de ser substituído daqui a cerca de três anos: "É uma plataforma que é muito insuficiente, muito instável, construída sobre uma linguagem informática muito datada e que não possibilita outros desenvolvimentos ".

A plataforma informática foi sendo desenvolvida por funcionários dos tribunais ao longo dos anos e, para além dos "transtornos e problemas" das últimas semanas, recorda o mesmo responsável, já antes "bloqueava recorrentemente". Além disso, afirma, tinha problemas de segurança, que foram detectados pela Inspecção-Geral de Finanças. “É urgente trabalhar na sua substituição, porque vai ter um bloqueio total em dois, no máximo três anos”, antecipa Rui Pereira.

Depois de Paula Teixeira da Cruz ter resumido os problemas que enfrentam os tribunais de primeira instância a meros “transtornos”, refutando que exista algum caos ou paralisação, o que foi de imediato desmentido quer pela Associação Sindical dos Juízes quer pela Ordem dos Advogados e pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, o PÚBLICO pediu a alguns dos juízes que presidem às novas comarcas um ponto da situação.

“Se os problemas durarem mais de duas ou três semanas tornar-se-á caótico”, avisa a magistrada que dirige a comarca de Viseu, Maria José Monteiro Guerra. “As falhas são todas do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos. A ministra pediu desculpa pelo sucedido, mas eu não contava com uma equipa daquelas”.

À frente da comarca de Portalegre, o juiz Tomé de Carvalho diz que as coisas estão “mais para o lado da imobilidade”, uma vez que, sem sistema a funcionar em condições, pouco mais resta aos tribunais do que  tratar dos processos urgentes – os que se relacionam com pessoas detidas ou com crianças, por exemplo. Tenta-se igualmente levar por diante as audiências que foram marcadas antes de o sistema colapsar. A maioria dos restantes processos estão “presos” na plataforma informática, que não deixa ninguém tramitá-los, por forma a efectuar as necessárias diligências.

“Esta não é uma situação de normalidade”, confirma o juiz que preside à comarca do Porto, José António Rodrigues da Cunha. No distrito de Aveiro, a produtividade dos tribunais “está a meio gás, a menos de 50%”, refere o magistrado Paulo Brandão. “Sentem-se muitas dificuldades”, confirma o principal responsável pela comarca de Braga, Artur Santos Oliveira. “Tem-se feito o que se pode, mas é pouco”.

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