António Lamas vai dirigir CCB e poderá gerir novo pólo de museus de Belém

Nomeação faz parte de um plano mais vasto de adaptação do eixo Ajuda-Belém ao modelo Parques de Sintra-Monte da Lua, reunindo vários equipamentos da zona sob uma única administração. A 1 de Setembro último, o CCB perdeu a sua autonomia financeira.

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António Lamas defende que o eixo Ajuda-Belém “suporta uma rentável ‘zona económica de influência’”

Foi uma hipótese levantada há já três anos – poderá concretizar-se agora: com a nomeação de António Lamas para o Centro Cultural de Belém (CCB), o Governo estará a avançar para um projecto mais vasto de adaptação do eixo Ajuda-Belém ao modelo de sociedade da Parques de Sintra-Monte da Lua.

Equipamentos como CCB, Jerónimos, Museu da Marinha e Museu dos Coches poderão em breve ficar reunidos sob a tutela de único conselho de administração, para cuja presidência já foi convidado também Lamas.  

No documento das Grandes Opções do Plano para 2015, divulgado esta segunda-feira, lê-se apenas: “Considera-se fundamental valorizar a Rede Portuguesa de Museus […]. Como iniciativas futuras neste âmbito, releva a conclusão do processo de instalação do Museu dos Coches nas novas instalações, reforçando a capacidade de atracção de públicos para a Zona Monumental de Belém, bem como a promoção de uma gestão mais integrada dos equipamentos situados na Praça do Império.”

Lamas tem-se mantido incontactável esta quarta-feira. Em Outubro do ano passado, porém, assinou no PÚBLICO um longo artigo de opinião em que fazia a defesa deste modelo.

“Desde que fui responsável por promover, no fim dos anos 1980, o Plano de Salvaguarda da Zona Ajuda-Belém, o CCB e o projecto de requalificação da envolvente do Palácio da Ajuda, que penso que as unidades que constituem o património de Belém, na tutela de diversas instituições, beneficiariam de uma gestão conjunta”, escreve nesse artigo.

Lamas enumera todos os pólos que constituem âncoras culturais da zona: CCB, Jerónimos e os museus da Marinha, Coches, Presidência, Berardo, de Arqueologia, Etnologia e Arte Popular, mas também a Torre de Belém, o Palácio da Ajuda e o Padrão dos Descobrimentos, os jardins Tropical e Botânico, o Planetário e até a EDP.

“Hoje, face às limitações de ordem financeira de todas essas instituições, não se justifica que possuam serviços separados de limpeza, pessoal, segurança, manutenção e gestão de projectos e obras; que não partilhem um sistema de bilhética; que não coordenem a divulgação de cada unidade e do conjunto, evitando concorrerem entre si pela atracção de públicos e organizarem eventos muitas vezes sobrepostos; que não partilhem competências, experiência e recursos humanos, em particular técnicos; que não desenvolvam projectos de interesse comum; que não potenciem o peso da sua articulação junto de entidades financiadoras; e que se queixem todas da falta de meios e que os grandes investimentos que a zona necessita aguardem, sem esperança, melhores dias.”

Lamas acrescenta ser “fundamental” o envolvimento da Câmara Municipal de Lisboa na gestão deste conjunto e do “complexo território” em que se insere, nomeadamente no que toca a acessos, trânsito, estacionamento e intervenções privadas em espaço público.

À semelhança de Sintra, diz, o eixo Ajuda-Belém “suporta uma rentável ‘zona económica de influência’”. Apontando negócios a funcionar na envolvente e que vão da restauração e comércio à hotelaria, sublinha que estes agentes “exercem actividades totalmente dependentes da qualidade do ‘cenário’ patrimonial” em que se inscrevem, mas “ainda não participam na sua valorização nem sequer promoção”.

Um “ciclo virtuoso”

Uma década e meia volvida sobre a criação da Monte da Lua, uma empresa de capitais exclusivamente públicos, Lamas explica que “a empresa depende somente das receitas provenientes dos visitantes, que são maioritariamente estrangeiros, não recebendo verbas do Orçamento de Estado”. “A sua sustentabilidade depende”, diz, de um “ciclo virtuoso da correcta gestão do património”: “A sua recuperação qualificada permite atrair mais visitantes, gerar mais receitas e promover mais intervenções valorizadoras.”

Integrado num projecto destas características, o CCB afastar-se-á da sua matriz. A 30 de Setembro de 1999, quando transformou a Fundação das Descobertas em Fundação Centro Cultural de Belém, o XIII Governo Constitucional, de António Guterres, publicou em Diário da República não só os novos estatutos do CCB, mas também uma explicação dos motivos por detrás da alteração: “Apesar de o CCB gerar receitas próprias que cobrem cerca de metade das suas despesas, o projecto cultural que desenvolve, de manifesto interesse público, não é viável sem um comprometimento regular e efectivo do Estado.”

Segundo esse documento, o modelo previsto pelo anterior Governo para a Fundação das Descobertas, um modelo de aliança entre Estado e empresas — “que teriam uma participação muito significativa quer no financiamento das actividades do CCB, quer na sua gestão” —, rapidamente “demonstrou estar assente numa ficção”: “O CCB dispõe de um património que lhe permite gerar receitas muito significativas, mas para a prossecução do interesse público cultural que lhe está confiado carece de um apoio sustentado do Estado, que, pelo seu lado, deve dispor de meios de intervenção na gestão do centro.”

Ao longo de 15 anos, e até 1 de Setembro último, o CCB regeu-se pelos estatutos de 1999. No princípio do mês, porém, perdeu a autonomia financeira de que usufruía desde a criação da Fundação das Descobertas, em 1991.

Segundo apurado pelo PÚBLICO, apesar de continuar temporariamente a reger-se pelos seus estatutos de fundação, a 1 de Setembro o CCB foi reclassificado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), tendo passado para o perímetro da Administração Pública.

Em termos de orçamento e contabilidade, passará a funcionar da mesma forma que organismos como o Teatro Nacional de São Carlos ou a Cinemateca Portuguesa, que há um ano ameaçou fechar portas por falta de verbas operacionais.  

“Significa que podemos perder alguma agilidade de gestão”, confirmou ao PÚBLICO o vogal do conselho de administração Miguel Leal Coelho, que desde a morte de Vasco Graça Moura, em Abril, vinha assegurando interinamente a presidência do CCB.

Equiparado à função pública, o CCB terá de ver superiormente autorizadas todas as suas despesas. E não poderá exercer as actividades empresariais através das quais gera grande parte das suas receitas. É o caso do aluguer e concessão de espaços como o das suas lojas e salas de espectáculos e conferências. É também o caso da construção do hotel que comporia o módulo em falta no edifício de Belém, projecto anunciado pelo então presidente António Mega Ferreira e que terá arrancado durante a administração de Graça Moura, seu sucessor. Escusando-se a avançar números, Miguel Leal Coelho disse apenas que a administração “está ainda a avaliar as consequências em termos de execução orçamental e as alterações [que a reclassificação] pode provocar no funcionamento do CCB”.

Ainda no seu artigo, Lamas antecipa críticas ao modelo que propõe: “Quando, na conferência sobre as origens do CCB organizada em torno da comemoração dos seus 20 anos, sugeri que se estudasse a aplicação em Belém do modelo da Parques de Sintra, fui confrontado com a acusação de querer anular a diversidade e valor cultural das suas várias componentes. É certo que uma gestão conjunta limita a liberdade individual do gestor da cada unidade, mas, acima de tudo, deve estar o interesse da conservação e valorização do património cultural, de que depende a imagem da zona e a sua capacidade para satisfazer e continuar a atrair visitantes, património que, sem recursos e nesta altura, não pode ser prejudicado por esses receios e exige soluções inovadoras.”

A experiência da Parques de Sintra indica, diz Lamas, que “uma gestão conjunta permitiria subir muito as receitas globais, resolver as notórias carências da zona e potenciar ainda mais o destino turístico de Belém e o seu contributo para a economia da cidade e do país”.

Outras revisões orgânicas

Todos os anos, o Instituto Nacional de Estatística (INE) avalia quais as entidades cujas contas devem ser consideradas para os cálculos do défice e da dívida pública que são reportados às autoridades europeias. Este ano, várias novas entidades deverão passar a contar para o défice e dívida porque os critérios usados pelo INE para a decisão foram alterados, passando a dar-se mais importância a factores qualitativos como o grau de autonomia da entidade.

No caso do CCB, o INE considerou tratar-se de uma entidade fortemente controlada pelo Estado, sendo os seus órgãos de decisão nomeados pelo Governo. Além disso, o CCB não cumpre a regra do chamado "rácio de mercantilidade", ou seja, as receitas que obtém com a venda dos seus bens ou serviços não superam a barreira dos 50% dos custos operacionais. Verificando-se estas duas condições, uma entidade passa a ter as suas receitas e despesas incluídas nas contas da Administração Pública. A sua dívida, como as suas receitas, passam a ser incluídas no rácio da dívida pública.

O INE anunciará no final deste mês a lista de entidades que irão ser reclassificadas. Dentro do grupo do CCB estão grandes empresas como a CP, hospitais e empresas municipais.

Com Sérgio Aníbal

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