Um novo imposto sobre o carbono: mal desnecessário ou bem necessário?

As reacções a esta proposta têm sido muito variadas, indo desde uma aceitação apriorista até uma rejeição também sem critério.

Uma das mais emblemáticas propostas da Comissão de Reforma da Fiscalidade Verde é introduzir um novo imposto sobre as emissões de dióxido de carbono. Como seria de esperar, as reacções a esta proposta têm sido muito variadas, indo desde uma aceitação apriorista até uma rejeição também sem critério. Pelo meio, ficam questões que incidem sobre aspectos mais pragmáticos, como os relacionados com o desenho deste novo imposto. O que nos ocupa aqui são três críticas mais gerais. São pontos da maior relevância e que deveriam enquadrar o debate público e informar as decisões políticas.

A primeira crítica tem a ver com o argumento de que a introdução deste novo imposto é um acto voluntarista, e portanto totalmente desnecessário. A ideia é que poucos países têm um imposto sobre o carbono, e que estes países vivem com melhores condições económicas e são dotados de mais recursos energéticos. Além disso, ninguém nos obriga a introduzir este novo imposto neste preciso momento. Então, porquê fazê-lo?

A questão central é muito diferente. Independentemente do que outros países possam estar a fazer, será correcto dizer que ninguém nos obriga a introduzir um novo imposto sobre o carbono em Portugal? Ora vejamos: Portugal, juntamente com os seus parceiros da UE, adoptou uma meta para 2030 com vista a reduzir as suas emissões de dióxido de carbono em 40%, relativo aos níveis registados em 1990. Este é um objectivo comunitário, com o qual Portugal naturalmente se comprometeu, e o qual está consagrado como um objectivo nacional no Roteiro Nacional de Baixo Carbono.

Existe um compromisso e, portanto, é imperativo perguntar como pretendemos cumpri-lo. Um factor importante na evolução das emissões, ainda que fora do nosso controlo, é a evolução dos preços internacionais dos combustíveis fósseis. Se estes preços vierem a subir, então importaremos menos. Isso é bom para o ambiente, porque as emissões diminuem, e é mau para a economia, porque tal acontece à custa de um pior desempenho económico. Um outro factor, este sim que nós controlamos mas que é notoriamente difícil de concretizar, é a possibilidade de implementar o nosso vasto potencial em termos de ganhos de eficiência energética. Isto é bom, porque permite ao país produzir mais com menos energia e, portanto, simultaneamente reduzir emissões e ajudar ao crescimento da economia.

Especificamente, usando as projecções oficiais de preços da Comissão Europeia, e o que sabemos sobre o potencial de eficiência energética para Portugal, no cenário mais provável que considerámos projectamos que seria possível reduzir as emissões de dióxido de carbono em 2030 em 22%, em comparação com os valores de 1990. Se todos os "melhores" cenários para o ambiente se concretizassem – ou seja, a confluência de preços internacionais muito altos e ganhos de eficiência energética em Portugal no limite do possível poder-se-ia chegar a uma redução de 29%. Fica a pergunta: como é que podemos atingir assim o objectivo de uma redução de 40%? O único instrumento adicional disponível é um imposto sobre o carbono. De facto, projectamos que para atingir este objectivo seria necessário um novo imposto sobre o carbono que, no cenário mais provável, seria de 35 euros por tonelada de dióxido de carbono, sendo de apenas 15 euros por tonelada no "melhor" dos cenários.

Assim sendo, a introdução deste novo imposto não é um capricho, mas sim uma incontornável necessidade, face aos nossos compromissos ambientais. 

A segunda crítica baseia-se no argumento de que a introdução deste novo imposto teria necessariamente efeitos perniciosos para a economia. Aumentaria o custo da energia e tenderia, portanto, a afectar negativamente a actividade económica. A introdução de um imposto sobre o carbono seria, portanto, um mal, e os argumentos acima considerados sobre a sua necessidade apenas elevariam este imposto da condição de mal desnecessário para a de mal necessário.

Esta forma de examinar a questão é claramente míope. Não se discutem os incontornáveis efeitos directos negativos deste novo imposto. Mas ignora-se que o uso criterioso das receitas fiscais por ele geradas no sentido de reduzir distorções noutras margens fiscais pode mitigar – e mesmo inverter estes efeitos negativos. Pelas contas que fizemos, projectamos que uma “reciclagem das receitas” deste novo imposto para financiar reduções na TSU e no IRS e ainda para financiar maiores créditos fiscais ao investimento privado levariam a efeitos positivos no emprego e no crescimento económico. Será particularmente assim se estas mudanças forem ligadas directamente a actividades de melhoria da eficiência energética por parte dos seus recipientes.

Assim sendo, uma criteriosa reciclagem das receitas fiscais geradas por este novo imposto permite elevá-lo da categoria de mal necessário à categoria de bem necessário.

A terceira crítica, que aliás está subjacente às anteriores, é sobre a questão do intuito do imposto. O argumento é de que se trata apenas de mais um imposto, de mais uma fonte de receitas, cujo verdadeiro objectivo é ir ao bolso dos contribuintes – como alguém lapidarmente mas com total falta de argúcia afirmou, "o imposto sobre o carbono é nada mais que um novo imposto encapotado".

Este argumento ignora as realidades institucionais. Um novo imposto sobre o carbono teria sempre de ser concebido como respeitando o princípio da neutralidade fiscal. Assim é, por definição, já que foram estes os termos do mandato da Comissão. Mas este é apenas um argumento legalista que vale o que vale.

De um ponto de vista mais conceptual, o respeito pela neutralidade fiscal é uma condição necessária – ainda que não seja uma condição suficiente. Só a neutralidade fiscal permite desenhar, através da reciclagem das receitas, os mecanismos que permitem reverter os efeitos económicos directos negativos do imposto. De facto, as nossas estimativas sugerem, por exemplo, que se apenas 50% das receitas fossem recicladas o resto sendo afectado a receitas gerais a capacidade de criar efeitos económicos favoráveis desapareceria. Mesmo com apenas 75% das receitas recicladas, desenhar um imposto sobre o carbono virtuoso para a economia seria uma tarefa bem difícil.
Assim sendo, só existem garantias de que este novo imposto possa ser elevado de mal necessário a bem necessário se o princípio da neutralidade fiscal for escrupulosamente observado.

Mas é possível ir mais longe. O que torna um novo imposto sobre o carbono num bem necessário também o torna num instrumento fiscal muito útil, senão mesmo urgente, no quadro em que as finanças públicas se encontram. A criteriosa afectação das suas receitas poderia proporcionar a tão desejada folga orçamental que permitisse reduzir o IRS e a TSU, e ao mesmo tempo orientar estas reduções num sentido que levasse a um melhor desempenho económico. Porquê esperar?

Professor catedrático de Economia, The College of William and Mary, EUA; ampere@wm.edu

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