O dia seguinte

As consequências de um voto contra a permanência da Escócia no Reino Unido seriam pesadas, não só para os próprios, mas para a comunidade das democracias ocidentais no seu conjunto.

O referendo sobre a independência da Escócia vai decidir sobre o destino da união de nações mais bem-sucedida da história. Com efeito, a união entre a Inglaterra e a Escócia criou o modelo do Estado constitucional e a primeira sociedade industrial, impediu a dominação da Europa pelos despotismos hegemónicos e fez um grande império, salvou a honra da velha Europa na resistência ao nazismo e tornou-se um dos pilares da comunidade das democracias transatlânticas.

Tudo isso está em causa no referendo sobre a independência da Escócia onde, paradoxalmente, os valores da história e do patriotismo escocês estão, como disse o antigo primeiro-ministro Gordon Brown, do lado dos defensores da sua permanência no Reino Unido contra os secessionistas do Partido Nacional da Escócia que defendem a “independência na Europa” e querem continuar com a libra mesmo sem representação no Parlamento britânico.

As credenciais constitucionais do referendo são impecáveis, no sentido em que o Parlamento britânico definiu os procedimentos da consulta. No entanto, os termos do referendo eram, à partida, favoráveis ao separatismo: por um lado, não podem votar os escoceses que não residem na Escócia, incluindo os que vivem noutras partes do Reino Unido e, por outro lado, a questão posta aos eleitores pede-lhes para dizer se são a favor da independência da Escócia em vez de lhes perguntar se querem permanecer no Reino Unido. Esses termos confirmam um excesso de confiança do primeiro-ministro David Cameron, que se prolongou até à semana passada, quando as sondagens revelaram a possibilidade de uma vitória dos separatistas. Desde essa data, o pânico substituiu a indiferença e todos os dirigentes políticos britânicos se precipitaram para a Escócia, insistindo na irreversibilidade de um voto a favor da independência e prometendo transformar o Reino Unido numa entidade federal se os eleitores rejeitarem a via secessionista.

Nessas circunstâncias, o impensável deixou de ser impossível. As consequências de um voto contra a permanência da Escócia no Reino Unido seriam pesadas, não só para os próprios, mas para a comunidade das democracias ocidentais no seu conjunto.

A primeira e a mais óbvia das consequências seria uma crise política e constitucional do Reino Unido, que paralisaria uma das principais potências europeias e prejudicaria a sua contribuição para a segurança internacional num momento crucial, dominado pela dupla crise na Ucrânia e no Iraque. A segunda e a mais provável seria a vitória dos isolacionistas no próximo referendo britânico sobre a União Europeia: a independência da Escócia só é possível com a União Europeia e o voto separatista significaria que uma maioria dos eleitores teria considerado Bruxelas como uma alternativa a Londres. Nessas condições, a permanência do Reino Unido na União Europeia deixaria de fazer sentido. A terceira e a mais forte seria a desintegração europeia se, como tudo indica, a secessão da Escócia se viesse a repetir na Catalunha, na Córsega ou na Padânia: a razão de ser da integração europeia é o fortalecimento dos Estados-membros e o risco crescente de uma vaga separatista, mais do que qualquer outro factor, seria o fim da União Europeia. A Europa dos pequenos Estados nunca existiu, nem nunca vai existir.

Henry Kissinger considera, com razão, que a continuidade da ordem das democracias ocidentais está em perigo. A vitória secessionista no referendo da Escócia pode transformar essa previsão numa profecia catastrófica.

Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

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