Como os “fusíveis transitórios” negociaram e compraram o “charuto”

Foi um dia de metáforas, este, em que Bernardo Ayala esclareceu algumas pontas soltas do caso dos submarinos - o tal “charuto” que, por ser cilíndrico, motivou uma troca de apartes entre o PS e o CDS.

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Bernardo Ayala foi ouvido no Parlamento Daniel Rocha

Bernardo Ayala chegou a horas, às 11h30, e saiu a desoras, já depois das 18h, da sala onde decorrem os trabalhos da comissão de inquérito parlamentar às aquisições militares. O advogado, que trabalhou com sete ministros da Defesa — de Veiga Simão a Severiano Teixeira —, explicou aos deputados todos os pormenores que foi possível concentrar numa audição que teve apenas uma pausa, de uma hora, para almoço.

Ayala estava condicionado, pelo segredo profissional que a Ordem dos Advogados decidiu não lhe levantar, mas isso não o impediu de revelar nesta terça-feira aos deputados algumas informações que agradaram de uma ponta à outra do espectro partidário. 
 

A mais relevante terá sido a sua avaliação sobre os “dois momentos críticos” que fizeram da compra dos dois submarinos ao GSC um dos negócios mais polémicos dos últimos anos. Ayala foi salomónico. Distribui as culpas. Num primeiro momento, cabem a um governo socialista (de Guterres, em 1998) os “problemas seríssimos” causados pela abertura do concurso sem acautelar nem as contrapartidas nem as penalizações  sobre o incumprimento dos fornecedores. Mas não deixou de verificar a “excessiva benevolência” com que foi encarada a “primeira fase de execução do contrato”, ainda durante a maioria PSD/CDS que assinou a compra em 2004.
 

Como consultor do Ministério da Defesa, Ayala chegou a pensar sugerir a “anulação do contrato”: “[Essa hipótese] na minha cabeça colocou-se mesmo.”
 

Por exemplo, revelou, “às cinco da manhã do dia 21 de Abril de 2004”, escassas seis horas antes da assinatura do contrato, telefonou ao responsável da Marinha, o coronel Serafim, para lhe comunicar que não deviam assinar nada, caso não fosse incluída uma cláusula no contrato que regulasse as garantias bancárias a prestar pelos alemães. 
Tentando resistir aos apelos — sobretudo do PS e do CDS — para que apontasse o dedo a determinados ministros, Ayala acabou por definir os responsáveis governativos como “fusíveis temporários”, a cuja filiação política pouca atenção disse ter prestado quando trabalhou para os vários governos.
 

E foram vários desses “fusíveis” que fizeram “luz” (ou “trevas”, noutra versão da metáfora que rodou por quase todas as bancadas partidárias) sobre a compra do “charuto” — a alcunha que José Magalhães, PS, colocou ao navio submersível que está no centro da polémica. Filipe Lobo d’Ávila, CDS, advertiu o seu colega para a leveza da linguagem. “Devíamos deixar de chamar ‘charuto’ ou ‘submarinozinho’”, pediu. “O charuto é só uma alusão ao formato cilíndrico. É para dizer que não é redondo. É uma metáfora”, explicou o socialista.
 

Ayala, que sorria durante estes momentos, contou aos deputados que chegou a estar prevista uma cláusula que ligasse os pagamentos dos submarinos ao cumprimento das contrapartidas, abandonada pelo Estado em Setembro de 2000. Por várias razões: “As Forças Armadas nunca quiseram que as patologias manifestadas no quadro das contrapartidas tivessem um impacto negativo no quadro do contrato da aquisição”, por um lado. Por outro, “os dois concorrentes [franceses e alemães] disseram em uníssono: não aceitamos”, concluiu.
 

A fragilidade do Estado
 

Houve vários momentos em que a audição pôs a nu a fragilidade do Estado. Durante a assinatura do contrato de aquisição dos aviões C295, por exemplo, era Luís Amado ministro da Defesa, aconteceu algo estranho. Depois da cerimónia, toda a gente abandonou o local. “Estavam quatro contratos confidenciais em cima da mesa e quatro advogados à espera de que alguém os viesse buscar. Não apareceu ninguém. Guardámos os contratos e entregámos ao ministério”, revelou Ayala.
 

Isto vinha na sequência de uma das principais polémicas que esta comissão investiga: o paradeiro, na transição do Governo Santana Lopes para o Governo Sócrates, dos arquivos da Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC). Dois ex-presidentes daquele organismo contradisseram-se nesta comissão. Ontem, Ayala contou que existia um despacho de Pedro Brandão Rodrigues a confiar à Sérvulo Correia e Associados a “guarda temporária” desse arquivo. Brandão Rodrigues dissera aos deputados que o arquivo “nunca esteve no escritório do doutor Sérvulo Correia”. 
 

Outra das explicações que Ayala trouxe aos deputados tem que ver com o célebre almoço — que o PÚBLICO noticiou — entre três advogados da Sérvulo Correia e o embaixador Pedro Catarino, que chefiava a CPC, em 4 de Outubro de 2007. O almoço foi alvo de uma factura, “por lapso”. Ayala confirmou os factos da notícia, mas acrescentou que esse episódio veio “na sequência” de “uma divergência profunda” sobre “o modo de contabilização das contrapartidas”, entre um membro da CPC e os advogados. Ayala reafirmou que foi sua a iniciativa de terminar o contrato com a CPC.
 

De manhã, o também advogado José Miguel Júdice reafirmou as suas críticas ao concurso dos submarinos, feitas em 2003 quando representava o consórcio francês que saiu derrotado: “Não voltei a revisitar o tema desde então. Podia estar enganado. Não vejo razão para alterar o que disse. O submarino que foi submetido a concurso não foi o submarino que venceu o concurso.”

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