Ele não desapareceu: Peter Bogdanovich

Cineasta de 75 anos, que não fazia uma longa-metragem desde 2001, a esmerar-se para provar que ainda é arquitecto e coreógrafo das várias possibilidades de comédia física.

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She’s Funny That Way
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A actriz Kathryn Hahn, o realizador Peter Bogdanovich e o actor Owen Wilson em Veneza REUTERS/Tony Gentile
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Bogdanovich em Veneza REUTERS/Tony Gentile
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Bogdanovich em Veneza AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS

Peter Bogdanovich é um cineasta vivo, mesmo se não filma para cinema desde The Cat’s Meow, que foi em 2001. Mais significativo do que as palmas que acolheram o genérico final de She’s Funny That Way, apresentado fora de concurso, que soaram a alívio e confirmação por não se estar perante um caso de rigor mortis, foram as gargalhadas durante o filme.

É que foi para isso que esta screwball comedy foi feita, foi para isso que Noah Baumbach e Wes Anderson se ocuparam da produção, tal como no passado Peter se chegou à beira das velhas glórias para lhes estender uma mão de reconhecimento – há um outro amigo que aparece na cena final de She’s Funny That Way, não se dirá quem é, mas é um segredo de polichinelo (quem é o único realizador que pode rivalizar com Bogdanovich no memorial da cinefilia e que considerou They All Laughed, um dos títulos menos conhecidos e até mesmo “desaparecidos” de Bogdanovich, um dos dez melhores filmes de todos os tempos?).

Todos virados para Peter, Peter, 75 anos, a esmerar-se para provar que ainda é arquitecto e coreógrafo das várias possibilidades de comédia física, ou das várias formas de um copo se partir no chão, e que o modo como Imogen Potts, Jennifer Aniston, Owen Wilson, Will Forte ou Rhys Ifans são atirados uns contra os outros várias vezes em vários locais de Nova Iorque não fica atrás do desvario de Barbra Streisand e Ryan O’Neal pelas ruas de São Francisco em What’s up Doc (1972) ou dos trambolhões de John Ritter no ringue de patinagem de They All Laughed. Mas o burlesco agora é de câmara. 

Imogen Potts, actriz, nada tem a ver com a Marilyn Monroe cheia de esperanças por Arthur Miller ou com a Audrey Hepburn fisgada no cor-de-rosa ou na possibilidade de felicidade de Breakfast at Tiffany’s, mas Bogdanovich inventou para ela, personagem, uma call girl que aterra nos palcos da Broadway, essa genealogia.

E a personagem, tal como Bogdanovich, acredita nela, porque tal como ele ela é uma cinéfila – embora não tenha percebido que quando Owen Wilson a encanta com a história das nozes atiradas aos esquilos, e vice-versa, em Central Park, está a utilizar no seu arsenal de engatatão um diálogo de Cluny Brown (1946), de Ernst Lubitsch (por isso She’s Funny That Way começou por se chamar Squirrels to the Nuts).

Os esquilos e as nozes são o início dos equívocos deste pedaço de comédia física que não se mostra apenas afinada na coreografia. A alma não está adormecida, nem a capacidade para, em meia dúzia de diálogos e com a ajuda da energia de um actor, ser encontrada uma personagem e a possibilidade de cada uma ser amada generosamente – pelo realizador, que também ama o público, por isso amorosamente lhe fornece no genérico final a sequência do filme de Lubitsch com que Wilson passa o filme a enganar meio mundo feminino.

Voltemo-nos então para Peter Bogdanovich: One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film, documentário de Bill Teck, que Veneza vai mostrar, junta o who’s who da cinefilia e da crítica actual à volta de um homem que não desapareceu.

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