Meet: o convívio entre jovens acabou em acusações de racismo

Jovem que participou num meet no Vasco da Gama diz que só queria conviver. No Facebook, houve posts a acusar a polícia de racismo. Especialistas dão a sua opinião. Há quem recorde os rolezinhos ou o arrastão.

Diana (nome fictício) tinha decidido ir ao encontro na quarta-feira, no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa. Aos 17 anos, já não era a primeira vez que participava num meet, reunião marcada para a diversão e convívio entre novos e velhos amigos.

A determinada altura, seriam umas 18h30/19h, instalou-se a confusão. Estava com um grupo de jovens negros, sentada, queria apanhar o comboio para casa, atravessar o shopping, mas foi barrada pela polícia. “Apanhei cacetada”, conta por chat no Facebook.

Um meet, esclarece, não é uma manifestação política ou social, nem tem por detrás qualquer activismo. Os jovens aproveitam os meets para “passar o tempo”, ainda por cima nas férias. Vêm de zonas como Amadora, Rio de Mouro, Bobadela, Catujal… “Só queria que as pessoas de fora compreendessem que o meet não é nada de mal, é só para os jovens conviverem. Não temos culpa de arranjarem confusão.”

Na quinta-feira, a imagem que passou dos meet foi, de facto, confusa. Depois dos incidentes, a PSP, os jovens e a direcção do Vasco da Gama apresentaram versões contraditórias. Do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP chegou a informação de que um grupo com cerca de 600 jovens se reuniu no Parque das Nações e, desses, dezenas “invadiram os corredores do centro comercial e começaram a correr desenfreadamente, entrando em algumas lojas”. Já a direcção do Vasco da Gama garantia que as imagens de videovigilância não mostram jovens a invadir o espaço e que “não houve nem vandalismo, nem furtos”, segundo Pedro Bandeira Pinto, o director. Quatro jovens seriam detidos e ouvidos em tribunal, cinco polícias ficaram com ferimentos ligeiros.

Na página do evento no Facebook, que entretanto foi desactivada, escreviam-se palavras de contestação contra o racismo e acusava-se a polícia de ter escolhido em quem batia: nos jovens negros. Diana confirma que sentiu discriminação no Vasco da Gama, na quarta-feira. “Os polícias não estavam a deixar os meus amigos e amigas de cor entrar e só lhes estavam a bater.” Mas “bateram em brancos e pretos”, acusa.

No Facebook, o post de um utilizador, Edson Chipenda, com um vídeo em que reproduz um encontro com a polícia no Vasco da Gama e a acusa de racismo, tornou-se num fórum de debate, com mais de 2500 partilhas, mais de 3500 likes, e centenas de comentários até ao final da tarde desta quinta-feira.

Rolezinho, arrastão e meet
O que se passou na quarta-feira trouxe à memória dois acontecimentos: os rolezinhos brasileiros, em que jovens da periferia se deslocavam para centros comerciais, gerando polémica por causa da violência policial no final de 2013; e o “arrastão de Carcavelos”, em 2005 em que se exagerou nos números de jovens que assaltaram banhistas na praia.

Afinal, quem é que foi ao meet? Podemos interpretar o que aconteceu na quarta-feira como um episódio de racismo?

Numa pesquisa pelos perfis dos jovens que fizeram likes, e disseram ir aos eventos de outros meet, percebe-se que alguns têm milhares de seguidores. Aparecem em selfies, muitos em poses inspiradas no hip hop, e há jovens brancos e jovens negros, rapazes e raparigas.

Flávio Almada, da Plataforma Ghetto, um movimento de luta anti-racista, já tinha ouvido falar dos meets como encontros ligados à popularidade nas redes sociais. “Há uns que são considerados uma espécie de estrelas, têm mais fãs.”

Mas o facto de jovens se terem queixado de não terem tido o mesmo tratamento pela polícia por serem negros leva-o a dizer: “A discriminação racial sobre os jovens negros é uma coisa que a polícia tem vindo a praticar em Portugal. Quando há um grupo de quatro jovens negros no centro de Lisboa automaticamente eles são parados pela polícia que julga que estão a praticar algum crime, e quando se trata de jovens socialmente considerados brancos isso não acontece. Imagine-se quando o número é superior…Essa é a experiência que temos na linha de Lisboa, de Cascais, na margem Sul, na periferia…”

Apesar da pouca informação de que dispõe sobre o que aconteceu, Gustavo Évora, 49 anos, professor no ensino secundário numa escola do Seixal, não notou algo substancialmente diferente no episódio em que um grupo de miúdos combina encontrar-se pelo Facebook, “alguns aproveitam-se para lançar confusão”. “É a réplica do que acontece em alguns centros comerciais noutros países.” 

Autor de uma tese sobre o sucesso escolar de descendentes de imigrantes, e cabo-verdiano, confessa ter “dificuldade em ligar isto a questões de racismo”: “Não tenho informação que me permita dizer por que aconteceu e o que aconteceu.” Mas nota: “É natural que estas coisas aconteçam quando neste momento os miúdos não estão a fazer nada – a maior parte não tem nenhum tipo de ocupação, não vai de férias para lado nenhum e é fácil juntarem-se meia dúzia, dentre dessa meia dúzia haver dois que querem fazer confusão e fazerem mesmo.”

Ao psicólogo Luís Fernandes o episódio lembrou o Verão de 2005, em que “uma data de putos entrou pela praia de Carcavelos adentro e se falou logo em arrastão”. “Quando se foi  ver à lupa o que se tinha passado, concluiu-se que não tinha havido arrastão nenhum.”

Para este especialista em comportamentos desviantes os adolescentes, “sejam brancos, negros ou mulatos, precisam de visibilidade e de se afirmar”. O meet “pode ser apenas isso, uma manifestação de afirmação”. Sublinha: “Aparentemente é só um encontro, não tem que ser politizado, nós depois é o que o politizamos nas análises. O racismo é uma coisa muito espontânea em que há um nós e um eles. Na base, o racismo não é político, é uma reacção de grupos contra grupos em que o factor é a cor da pele, mas podia igualmente ser uma forma de vestir.” 

Já o sociólogo João Teixeira Lopes compara o que se passou ao chamado “rolezinho”, em que, como aconteceu agora, parece-lhe, “não havia qualquer tipo de intenção de protesto”. Convém não esquecer que “os centros comerciais estão longe de ser espaços inteiramente públicos”, e que há “controlo, vigilância e selecção social”. “Não me admiraria que exista ali, embora não declarada, alguma vigilância que barra o acesso a jovens descendentes de africanos. Isso muitas vezes, quando as tensões estão latentes, pode ser o rastilho para que a mera convivialidade ganhe tons de protesto, embora muito difusos”.  E acrescenta que “embora não ache que este meet tenha sido organizado com essa intenção, há claramente o risco de funcionar como embrião das tensões étnicas e raciais que estão implícitas na sociedade portuguesa”.

Quando perguntamos a Diana porque é que ela criou dois novos meets, ela responde apenas: “Acho uma boa maneira de algumas pessoas conviverem.” Com Andreia Sanches, Maria João Lopes e Natália Faria 

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