Carácter “excepcional” da CES evita chumbo do Tribunal Constitucional

Dúvidas persistem em relação a futuras decisões do Tribunal Constitucional com impacto orçamental para este ano e o próximo.

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Tribunal Constitucional deixou passar agravamento da CES e da contribuição para a ADSE Carla Rosado

O agravamento dos cortes nas pensões aplicado pelo Governo no início deste ano continua a ter um “carácter excepcional e transitório” e não constitui “um sacrifício particularmente excessivo e desrazoável”. Foram estas as razões dadas pelo Tribunal Constitucional (TC) para validar nesta quarta-feira o aumento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) actualmente em vigor. Em simultâneo, a norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado também foi considerada constitucional.

O Governo evita assim mais um impacto orçamental negativo este ano, mas tem agora que esperar pelas decisões do TC sobre os novos cortes salariais na função pública e nas pensões, estes últimos já com carácter definitivo.

Num acórdão publicado nesta quarta-feira ao fim do dia, o TC analisou os pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos deputados dos partidos à esquerda do Governo a duas medidas lançadas no início de 2014 precisamente para compensar um anterior chumbo dos juízes do Palácio Ratton, nessa ocasião, à proposta de convergência das pensões do sector público com o sector privado.

A primeira medida é o alargamento da CES aos pensionistas com rendimentos acima dos 1000 euros, quando em 2013 apenas as reformas acima dos 1350 euros eram visadas. A segunda medida é a norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado. 

O tribunal, que em Junho tinha decidido chumbar o agravamento dos cortes salariais aos funcionários públicos, decidiu agora considerar estas duas medidas constitucionais. O aumento da CES, que na prática representou um agravamento face a 2013 dos cortes realizados sobre as pensões, passou com sete votos favoráveis e seis votos contra. A alteração realizada na ADSE foi vista como inconstitucional apenas por um dos 13 juizes.

No que diz respeito à CES, uma das principais decisões que os juízes do TC tinham de tomar era se continuavam a considerar que esta contribuição é apenas transitória, como tinham feito em anos anteriores. O tribunal pesou o facto de este já ser o quarto ano de existência da medida (em diversos formatos), mas conclui que “assume, efectivamente, um carácter excepcional e transitório, directamente relacionado com os objectivos imediatos de equilíbrio orçamental e sustentabilidade das finanças públicas que o legislador afirma querer prosseguir”.

Depois, é analisada uma eventual violação do princípio da confiança, ou seja, o tribunal investiga se houve uma quebra não justificada das expectativas dos pensionistas afectados pelo agravamento da CES, dando especial atenção àqueles que, por terem pensões entre os 1000 e os 1350 euros, não tinham em 2013 quaisquer cortes, mas passaram a ter este ano.

Mais uma vez, a situação excepcional em que vive o país foi usada como justificação para considerar a nova CES adequada do ponto de vista constitucional. “Em relação aos pensionistas que agora são atingidos pela alteração daquele limiar pode considerar-se que as expectativas na continuidade da posição jurídica em que se encontram estão enfraquecidas, já que se mantém o contexto de excepcionalidade económica que justificou a criação daquele tributo e as suas sucessivas alterações”, afirma o acórdão.

Por fim, ainda em relação à CES, é avaliada uma eventual violação do princípio da proporcionalidade, ou seja, saber se os esforços pedidos aos pensionistas vão para além do que é razoável e não são compensados pelos motivos da adopção da medida. O tribunal assinala que as pensões nunca podem ser cortadas abaixo dos 1000 euros e conclui que a CES “não constitui um sacrifício particularmente excessivo e desrazoável, que importe violação do princípio da proporcionalidade constitucionalmente censurável”.

Em relação a norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado, os juízes mostraram uma convergência de opiniões bastante mais acentuada. Avaliaram em particular se, ao transferir a obrigação de a financiar na sua totalidade para os funcionários públicos, o Estado não estaria a falhar no seu dever constitucional de financiar o sistema de saúde.

Concluíram que não, afirmando que “a norma em causa em nada afecta o Sistema Nacional de Saúde, relativamente ao qual a ADSE faculta uma protecção suplementar, de adesão voluntária, sem que haja qualquer imperativo constitucional do seu financiamento por verbas públicas, ainda que em parte”.  

Por avaliar está a ainda a constitucionalidade de outra medida tomada pelo Governo no último orçamento rectificativo: o aumento da contribuição dos trabalhadores para a ADSE.

Dúvidas para as próximas decisões
Embora o acórdão publicado nesta quarta-feira pelo TC evite ao Governo mais um percalço orçamental para este ano, não garante grande tranquilidade para as novas decisões que se aproximam. O tribunal terá, nas próximas semanas, de apreciar duas novas medidas: a reposição dos cortes salariais na função pública que estavam em vigor em 2013 (para serem aplicados ainda este ano) e a nova Contribuição de Sustentabilidade que o executivo pretende ver aplicada a partir de 2015.

Em relação a esta última medida, que substitui a CES agora considerada constitucional, o Governo tem como argumento para a sua validação o facto de ser menos gravosa para a generalidade dos pensionistas. No entanto, existe uma desvantagem importante que pode ter impacto na decisão do TC: esta contribuição é definitiva. Este facto é particularmente relevante se se levar em conta que, no acórdão agora conhecido, o facto de a CES ser vista como “excepcional e transitória” foi decisivo para a decisão positiva dos juízes do Constitucional.

Notícia corrigida: Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado e não sobre aumento da contribuição para a ADSE.

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