Meninas casadoiras e meninos reguilas

Três miniaturas comoventes e divertidas que mostram Ozu em absoluto domínio de uma arte tão simples que parece enganadoramente fácil.

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Que o mestre japonês Yasujiro Ozu se tenha tornado na nova coqueluche cinéfila portuguesa, com mais três filmes em versões restauradas a chegar a sala um ano depois do sucesso inesperado de Viagem a Tóquio e O Gosto do Saké, é tão surpreendente quanto justo, até porque o seu cinema raramente havia chegado ao circuito tradicional de exibição.

Pertencentes à última fase da carreira do realizador, falecido em 1963, A Flor do Equinócio, Bom Dia e O Fim do Outono, realizados respectivamente em 1958, 1959 e 1960, desvendam como Ozu declinava um mesmo olhar e uma mesma apreensão do (seu) tempo de variadíssimos modos consoante as necessidades.

Bom Dia é uma comédia mais ou menos brejeira sobre a vida num subúrbio de Tóquio onde a birrenta “greve de fala” de dois miúdos reguilas que querem um televisor se cruza com o retrato de toda uma comunidade de classe trabalhadora. O Fim do Outono (espécie de “rascunho” para O Gosto do Saké) articula-se como comédia de enganos à volta dos tropeções criados por três amigos da faculdade dispostos a todo o preço a arranjarem marido para a viúva que lhes deu volta a cabeça nos tempos de estudante. O nosso preferido dos três é A Flor do Equinócio, melancólica comédia de costumes sobre um pai cuja tolerância para com o individualismo dos filhos dos outros é substituída por uma tirânica casmurrice quando é da sua filha que se trata. Mas, em todos os casos, Ozu usa estas histórias apenas como porta de entrada, criando elaborados mosaicos que só pelo final do filme revelam a imagem completa. E observa com generosidade e bonomia o confronto surdo entre tradição e modernidade, passado e futuro, traçando a encruzilhada de um Japão ainda a encontrar uma nova identidade depois da destruição da II Guerra Mundial, mas sempre atento ao tempo que passa e ao modo como mudamos com ele. 

 A palavra-chave é “observação” - e, ao ver estas três miniaturas comoventes e divertidas que mostram Ozu em absoluto domínio de uma arte tão simples que parece enganadoramente fácil (mas não é), o aparente classicismo austero do realizador torna-se de uma inatacável modernidade estilística e narrativa. Porque, afinal, é de nós que Ozu está (também) a falar.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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