Caução de três milhões imposta a Ricardo Salgado é uma das maiores de sempre

Banqueiro tem dez dias para pagar ou um mês para contestar medidas de coacção aplicadas pelo juiz Carlos Alexandre.

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Ricardo Salgado foi afastado do BES pelo Banco de Portugal em Junho Nuno Ferreira Santos

A caução de três milhões de euros que o juiz Carlos Alexandre impôs a Ricardo Salgado esta quinta-feira para o manter em liberdade, apesar das suspeitas que impendem sobre ele de branqueamento de capitais, burla, falsificação e abuso de confiança, é uma das maiores de sempre da justiça portuguesa.

Se não concordar com esta medida de coacção ou com as outras duas que lhe foram aplicadas — proibição de sair do país e de “contactar com determinadas pessoas”, como consta de um comunicado divulgado pela Procuradoria-Geral da República — resta ao banqueiro recorrer das exigências de Carlos Alexandre para o Tribunal da Relação, o que poderá fazer no prazo de um mês. Caso não o faça, tem dez dias para pagar os três milhões, seja através de transferência bancária seja através de garantia bancária ou da hipoteca de imóveis, por exemplo. Se a opção de Ricardo Salgado não for o pagamento em numerário, cabe ao mesmo juiz decidir se aceita ou não as garantias apresentadas.

Em Janeiro passado Carlos Alexandre aplicou ao milionário Ricardo Oliveira, ligado ao caso BPN, aquela terá sido a maior caução de sempre imposta a uma só pessoa em Portugal: cinco milhões de euros. Em troca da sua liberdade o arguido ofereceu as acções de uma empresa detentora de vários imóveis que estavam, porém, na sua grande parte hipotecados, razão pela qual o juiz recusou esta forma de pagamento, seguindo assim a posição do procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal encarregue do caso, Rosário Teixeira. É também Rosário Teixeira quem tem em mãos o processo Monte Branco, no âmbito do qual Ricardo Salgado foi constituído arguido esta quinta-feira.

Cuidados como os que foram tomados relativamente a Ricardo Oliveira servem para evitar situações como a de Vale e Azevedo, que conseguiu sair da cadeia em liberdade condicional depois de pagar cauções de milhões de euros com garantias falsificadas.

Em casos como o de Ricardo Salgado os critérios para a fixação dos montantes das cauções que permitem aos arguidos continuarem em liberdade têm sobretudo em conta a sua situação financeira — e não, como noutros processos, assegurar o pagamento a eventuais credores. Caso fuja ou não compareça às diligências que lhe são marcadas pelo tribunal, o arguido fica sem o dinheiro da caução, que é depositado numa conta à ordem do processo em causa.

No caso BPP o Ministério Público chegou a defender a prestação de uma caução de dois milhões por João Rendeiro, mas o juiz que presidia ao colectivo encarregue de julgar os antigos administradores do banco recusou o pedido, tendo alegado que não existia perigo de fuga do arguido, dadas as suas frequentes saídas de Portugal. “É normal haver cauções até um milhão nos grandes processos. Já os três milhões pedidos a Ricardo Salgado são um valor praticamente inédito”, observa fonte ligada à investigação da criminalidade económica.

O até aqui presidente executivo do Banco Espírito Santo é o oitavo suspeito do caso Monte Branco, sendo que as medidas de prisão preventiva aplicadas a três destes arguidos — num dos casos domiciliária, com pulseira electrónica — se extinguiram já, dada a demora na investigação. Todos tiveram de ser libertados.

O PÚBLICO perguntou à Procuradoria-Geral da República se existe um prazo para a conclusão da investigação, não tendo, porém, obtido qualquer resposta. Apesar de a lei estabelecer prazos máximos para a duração dos inquéritos, especialmente importante nos casos em que foram constituídos arguidos, o entendimento legal da questão é de que esses prazos são meramente indicativos, e não obrigatórios. A especial complexidade do caso fez com que, na Primavera passada, Rosário Teixeira tenha visto aceite um pedido seu para prorrogar as investigações por mais 20 meses.

O processo não corre, porém, o risco de prescrever, assegura a mesma fonte de informação, adiantando que isso só sucederia se tivessem passado 10 a 15 anos entre os factos e o seu julgamento. O branqueamento de capitais, burlas e restantes ilícitos de que os arguidos podem vir a ser formalmente acusados deverão ser considerados, pelas circunstâncias em que ocorreram, “crimes de execução permanente” — ou seja, a infracção foi cometida constantemente ao longo do tempo —, sendo por isso a sua prescrição mais dilatada no tempo do que se se tratasse de crimes confinados a determinado momento.

A constituição de Ricardo Salgado como arguido motivou algumas reacções. Uma delas foi do dirigente socialista Eurico Brilhante Dias, que escreveu no Facebook: “Quem sabe, sabe e o Ricardo sabe. E se ele conta o que sabe? E o que saberá? 22 anos é muito tempo. 30 anos depois das reprivatizações acomodadas com fundos comunitários. Estradas, casas e cimenteiras. Bancos e imobiliário. De Miami às Ilhas Caimão”. Já o líder da CGTP, Arménio Carlos, afirmou que Ricardo Salgado já “era um caso de polícia” há vários anos e que o banco que liderou é “outro caso de polícia” que deve ser investigado. “O processo em que está envolvido esse senhor, que é do sector financeiro, já era um caso de polícia há três anos, e não é de agora”, declarou o dirigente sindical, citado pela Lusa. “Há pessoas detidas há dois anos, não se percebe porque é que só agora é que foi chamado. Não queremos fazer juízos de valor, mas, como dizem os espanhóis, a gente não acredita em bruxas, mas que há bruxas há”.

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