Gulbenkian põe municípios e universidades a puxar pelo Noroeste

Fundação realizou estudo prospectivo e apadrinhou plataforma de desenvolvimento assente na inovação e na capacidade instalada na região entre Braga e Aveiro.

Foto
Os especialistas assinalam que há ainda um grande potencial de inovação, mesmo em sectores tradicionais, como o calçado Rui Farinha

Com a experiência toda que se lhe conhece, o presidente da Fundação Calouste de Gulbenkian chamou-lhe o projecto mais importante em que participou, na sua vida. Artur Santos Silva apadrinhou nesta terça-feira o nascimento da plataforma Noroeste Global, que reúne as universidades e municípios da região que vai do Minho ao Vouga. Estas vão juntar-se numa estrutura que promete aproveitar o potencial instalado para conseguir um nível de desenvolvimento que, apesar de 30 anos de forte investimento no sistema científico e tecnológico, ainda não foi alcançado. O Governo vê com bons olhos a iniciativa, que visa pôr universidades e empresas da região a lutar por fundos europeus que o país pouco aproveita.

Os portugueses vão-se habituando a ouvir dizer que o país tem 21 mil milhões de euros de fundos comunitários para usar até 2020, a que se somam os quatro mil milhões destinados à agricultura. Mas o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Castro Almeida, espera, e diz acreditar, que a plataforma a cuja criação assistiu esta terça-feira, no Porto, não vai lutar por este dinheiro mas sim por um bolo muito maior, de 200 mil milhões de euros destinados à Inovação e Desenvolvimento (I&D), o Horizonte 2020. Esta é uma iniciativa da Comissão Europeia que o país, nos orçamentos comunitários anteriores, tem aproveitado pouco.

“Estou cansado de afirmar que Portugal é um contribuinte líquido destes programas. Isto tem de mudar”, repetiu Castro Almeida, sintonizado, de resto, com todas as entidades envolvidas neste processo. O desafio tinha já sido bem vincado, em declarações aos jornalistas, pelos especialistas contratados pela Gulbenkian para, nos últimos dois anos, longe dos holofotes, desenvolverem um retrato, e uma análise das capacidades instaladas nesta região que reúne parceiros do Norte e do Centro. Para os académicos João Ferrão (geógrafo especialista em planeamento e desenvolvimento regional) e José Félix Ribeiro (economista e especialista em prospectiva), não há outra via senão o trabalho concertado, o ganho de escala, para que esta parte do país consiga suplantar debilidades históricas.

A Gulbenkian teve a iniciativa, juntou os parceiros, e, constituída a plataforma, sai de cena. Tendo em conta a inexistência legal do "Noroeste", os parceiros envolvidos deverão, até ao final do ano, reunir-se em torno de uma associação, que, apurou o PÚBLICO, pode até vir a ser uma estrutura já existente, como a PortusPark. Esta foi criada há década e meia para desenvolver em torno das universidades do Norte parques tecnológicos a partir dos quais se foi fazendo um trabalho de transferência de conhecimento para o campo empresarial. Mas o esforço foi ainda assim insuficiente, pelo “fraco” posicionamento do país nos rankings de I&D da OCDE, assinalou o futuro director da plataforma, Jorge Gonçalves.

Não espanta por isso que, nos discursos dos presidentes das câmaras de Braga (Ricardo Rio), Guimarães (Domingos Bragança) e Aveiro (Ribau Esteves), da vice-presidente do município portuense, Guilhermina Rego, de António Murta, da Cotec – associação empresarial para a inovação, dos reitores das universidades do Minho (António Cunha), do Porto (Sebastião Feyo de Azevedo) e de Aveiro (lido pelo vice-reitor Carlos Neto) e do responsável pelo pólo regional da Universidade Católica (Manuel Afonso Vaz) se tenham ouvido repetidas referências à necessidade de melhorar a capacidade regional de transformar o conhecimento em valor. Ou em “facturas”, para usar a expressão de Castro Almeida, que recusou a ideia de que as assimetrias ainda existentes no país possam ser resolvidas com uma aposta numa economia baseada nos baixos salários.

Programas como o Horizonte 2020, são uma espécie de Liga dos Campeões do financiamento da I&D, à qual só se chega com dimensão e visibilidade e, para João Ferrão, Portugal, e o Noroeste não podem continuar a ficar praticamente de fora desse campeonato. Félix Ribeiro assinala que o Noroeste é a principal origem geográfica das exportações portuguesas, organizadas em torno de um conjunto de clusters consolidados nos sectores da alimentação e bebidas, construção, têxtil, cortiça, calçado, componentes de automóvel, estruturas e equipamentos, aos quais se acrescentam grandes empresas nos sectores da refinação de petróleo, petroquímica e outra química pesada, fabrico de pasta e papel, e siderurgia. O economista assinala ainda o surgimento, a partir da cooperação entre empresas e universidades, de proto-clusters que importa desenvolver, em áreas como as energias renováveis, mobilidade eléctrica e redes eléctricas inteligentes, a automação, robótica e domótica, a engenharia automóvel, aeronáutica e espacial e a biomedicina, entre outras.

Jorge Gonçalves, que, enquanto pró-reitor da Universidade do Porto, esteve envolvido no desenvolvimento do Pólo de Ciência e Tecnologia, o UPTEC, apresentou, na sua intervenção, um modelo de actuação possível para a plataforma cuja actividade vai gerir. Para o académico, a equipa com a qual vai trabalhar deverá desenhar “projectos articulados em torno de programas estruturantes de dimensão regional e ambição global”, que ajudem a abrir novas áreas de negócio nos sectores tradicionais.

Outro dos problemas detectados no trabalho de diagnóstico foi a existência de poucas multinacionais instaladas na região que concentrou o maior investimento no sistema universitário dos últimos 30 anos, pelo que se considera essencial um esforço de marketing territorial que ajude a atrair investimentos a uma área onde vivem 3,7 milhões de pessoas, com uma população jovem e cada vez mais qualificada.  Para que esta não tenha, como vem acontecendo, necessidade de emigrar para encontrar trabalho.

Sugerir correcção
Comentar