Secretário da Segurança garante que morte suspeita numa favela do Rio de Janeiro "não vai ficar impune"

A morte de um dançarino de um programa da rede Globo reacendeu o debate sobre a política de pacificação das favelas e a insegurança no Brasil, a dois meses do arranque do Mundial de futebol.

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Segurança reforçada na favela do Pavão-Pavãozinho TASSO MARCELO/AFP

A morte do dançarino Douglas Rafael da Silva, que actuava no programa “Esquenta” da rede Globo, vai ser investigada “com o máximo rigor e transparência”, assegurou o secretário da Segurança Pública do Governo estadual do Rio de Janeiro, José Maria Beltrame.

Douglas, conhecido como o DG no show apresentado pela actriz Regina Casé, foi encontrado morto esta terça-feira, no recreio de uma creche da favela do Pavão-Pavãozinho, na zona sul da cidade. As circunstâncias suspeitas da sua morte incendiaram de tal maneira os ânimos dentro da comunidade que um violento protesto contra a actuação da Polícia Militar rebentou em poucas horas, espalhando o pânico até à zona turística de Copacabana.

A repercussão internacional das cenas de tiros, barricadas e confrontos voltou a expor as debilidades de segurança do Brasil, que se prepara para receber dois mega-eventos desportivos em curta sucessão: o campeonato do mundo de futebol, que arranca no próximo mês de Junho e terá o final no estádio do Maracanã, no Rio, e os Jogos Olímpicos de 2016, na mesma cidade.

O caso também reacendeu o debate sobre o modelo de militarização das favelas, lançando dúvidas sobre o relacionamento da polícia com os moradores. Numa entrevista à TV Globo, o secretário de Segurança Pública defendeu a política iniciada há cinco anos e responsabilizou os grupos do crime organizado por acções de “banalização” da violência, com o objectivo de impor o medo e recuperar o território perdido nas comunidades pacificadas. “O Rio vai demorar a mudar o paradigma da violência se essas partes da cidade não forem ocupadas pelo Estado”, considerou.

A família do dançarino e os moradores da favela responsabilizam os agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Pavão-Pavãozinho pela morte de Douglas, que exibia marcas de agressão. “Mataram um inocente”, acusou a mãe Maria de Fátima da Silva, que pretende reportar a caso à justiça e à Amnistia Internacional. As autoridades estão agora remetidas ao silêncio, depois de inicialmente terem descartado qualquer violência no óbito.

O relatório do Instituto de Medicina Legal atribui a morte a uma “hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar causada por ferimento transfixante do tórax, como consequência de acção pérfuro-contundente”. Os peritos encontraram duas cápsulas de bala junto ao corpo: a polícia não confirmou que o dançarino tenha sido atingido a tiro, mas vários jornais brasileiros e o próprio secretário de Segurança Pública mencionaram uma “perfuração fatal por arma de fogo”.

O relatório preliminar entregue pela Polícia Militar apontava para ferimentos consistentes com a queda de um muro – uma conclusão que José Maria Beltrame criticou como “prematura”. Sem se pronunciar sobre nenhuma das versões, o secretário da Segurança Pública garantiu que o inquérito em curso não deixará de “explorar todas as teorias possíveis”, incluindo do envolvimento da polícia na morte. “Não quero antecipar protecção aos polícias mas não quero condená-los preliminarmente. No momento há muita especulação e não devemos tomar nenhuma atitude precipitada”, observou.

Entretanto, o comandante das UPP do Rio de Janeiro, coronel Frederico Caldas, confirmou a abertura de uma sindicância para apurar a participação de oito polícias militares do Pavão-Pavãozinho na morte de Douglas da Silva. Os oito, que não foram afastados de funções, poderão ainda ser abrangidos por um inquérito da polícia civil.

A mãe de Douglas e a imprensa brasileira imediatamente associaram o caso do dançarino ao caso de Amarildo de Souza, um pedreiro da favela da Rocinha que terá morrido depois de ser torturado por agentes da Polícia Militar, em Julho de 2013. Desaparecido depois de ter sido levado pela polícia, Amarildo ainda não foi encontrado: depois de uma forte campanha popular para que o inquérito não caísse no esquecimento, e de uma longa investigação, o Ministério Público acusou dez polícias dos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver.

Beltrame também comparou as duas ocorrências, mas para prometer que “a morte do dançarino DG não vai ficar como a do pedreiro Amarildo”. “Isso não vai ficar impune. Podem acreditar na elucidação desse caso”, declarou.

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