“Não conheço país nenhum que tenha conseguido o feito de Portugal”, diz Mariano Gago

Educação, ciência e cultura foram discutidas no congresso sobre o 25 de Abril em Lisboa, três áreas que promoveram a igualdade nos últimos 40 anos.

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António Mega Ferreira, Mariano Gago (no centro) e Maria Emília Brederode Santos José Ferreira

Os portugueses não têm de pagar um “preço emocional” ou um “preço moral” pelo sucesso do desenvolvimento científico português dos últimos 40 anos, defendeu nesta quarta-feira o antigo ministro da Ciência e do Ensino Superior, José Mariano Gago, no congresso A Revolução de Abril Portugal 1974-75 que decorre até esta quinta-feira em Lisboa, no Teatro Nacional D. Maria II. Segundo o físico Mariano Gago, não há outro país que tenha multiplicado por 17 os investigadores, por 32 a produção científica e por 15, em termos reais, o Produto Interno Bruto em investigação e desenvolvimento, num tão curto período de tempo: “Não conheço país nenhum que tenha conseguido o feito de Portugal.”

“O ponto fundamental neste momento é de novo projectar o desenvolvimento científico”, apontou o ex-ministro, actualmente presidente do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, que teve a seu cargo nos governos socialistas de António Guterres e de José Sócrates a pasta da ciência. “O desenvolvimento científico tem possibilidade de influenciar a visão do futuro, porque convoca necessariamente a sociedade moderna e por isso é uma força democrática”, disse ainda Mariano Gago, avisando que “não há desenvolvimento científico se essa convicção não atravessar todos os partido políticos”.

Estas declarações, no painel sobre cultura, educação e ciência do congresso promovido pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa e pelo Teatro Nacional D. Maria II. No painel participaram também o escritor António Mega Ferreira, a escritora Lídia Jorge e o musicólogo e historiador Rui Vieira Nery, com moderação de Maria Emília Brederode Santos, do Conselho Nacional de Educação.

A proposta era a de olhar para a evolução destas três áreas ao longo dos 40 anos da democracia portuguesa, com os seus altos e baixos. Nos melhores momentos, estas três forças trabalharam concertadamente.

Segundo Rui Vieira Nery, um dos pontos altos foi em 1979, com a criação do Ministério da Cultura e Ciência, durante o governo de iniciativa presidencial de Maria de Lourdes Pintasilgo. Este ministério “montou um aparelho de interligação da ciência e da cultura e de intervenção do Estado neste domínio com uma lucidez tão grande que, logo a seguir, o governo da Aliança Democrática, com o secretário de Estado Vasco Pulido Valente, promulgou quase na íntegra toda essa restruturação porque era irrecusável”, considerou o musicólogo e historiador da FCSH e antigo secretário de Estado da Cultura, do primeiro governo de António Guterres.

Rui Vieira Nery citou o artigo 73º da Constituição Portuguesa, de 1976, que refere o dever do Estado de promover “a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural”. E estabeleceu dois períodos da história da cultura pós-25 de Abril. O primeiro foi até 1995, data do fim do segundo governo de Aníbal Cavaco Silva, em que a pasta da cultura esteve então nas mãos de Pedro Santana Lopes. A parte final deste período foi caracterizada por um “neoliberalismo experimental”, com a “privatização de muitos dos sectores, a criação de falsas fundações, que teoricamente deveriam angariar financiamento e mecenatos e que, à data final da festa, estavam todas endividadas em milhões de contos”.

O segundo período veio até hoje: apesar de se ter iniciado com a “recriação do serviço público” na cultura, retraiu-se a partir de 2000. “Enquanto na ciência houve uma espécie de prioridade, no caso da cultura houve um consenso negativo entre os partidos”, apontou Rui Vieira Nery, que teme que Portugal esteja a desperdiçar nas artes a “geração mais qualificada de todos os tempos”.

Já para Mariano Gago, se a ciência não tivesse sido enraizada na cultura, não teria sido possível “a criação de uma base social de apoio ao desenvolvimento científico” no pós-25 de Abril, exemplificando com os programas sobre ciência que apareceram na televisão pública.

O ex-ministro considerou ainda que, em Portugal, as ciências tiveram um papel importante na “mobilidade social” pela forma como foram ensinadas, recorrendo-se a experiências científicas. Mariano Gago teme agora que a educação esteja a voltar à “retórica” e ao “nominalismo”, o que conduzirá “a uma selecção social que se queria evitar, baseada nas aprendizagens das ciências pelas linguagens formais”: “Isto significa dar de imediato vantagem a quem tem por natureza e em casa o domínio das linguagens formais.”

A escola pública e a democratização da educação foram defendidas pelo painel como um sucesso da revolução. “Os progressos foram absolutamente extraordinários”, disse Maria Emília Brederode Santos, referindo que o privilégio de alguns passou a ser de todos. “A escola actual é muito mais criadora de elites do que alguma vez foi”, acrescentou ainda Mariano Gago.

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