Dois pequenos génios condenados à incompreensão

Bruno Maçães e Pedro Lomba são o espelho do executivo que temos: ideologicamente primário, tecnocraticamente incompetente, politicamente inexistente.

1. A qualidade de um governo mede-se, em grande parte, pelo nível intelectual e político dos secretários de Estado que o integram. É como o teste do algodão: nunca engana.

Bruno Maçães e Pedro Lomba são o espelho do executivo que temos: ideologicamente primário, tecnocraticamente incompetente, politicamente inexistente. Pedro Lomba chegou a ser em tempos um cronista não desprovido de interesse. Imagino que Maçães não seja inteiramente destituído e até admito que na sua vida anterior tenha revelado qualidades profissionais. A questão é outra: um membro do Governo deveria ser obrigado a possuir competências e qualificações que estas duas personagens obviamente não têm. Nisso são iguais ao resto do Governo que integram. Um especializou-se em escrever tweets patetas num inglês próprio de quem nunca leu Shakespeare, nem sequer em tradução portuguesa; o outro fala de História com a ligeireza própria de um pequeno apparatchik ligeiramente alfabetizado. Estou certo de que um e outro são melhores do que aquilo que aparentam e propõem enquanto membros do Governo de Portugal. A interrogação que se coloca é muito simples: qual é a razão por que esta gente se torna subitamente ignara quando ascende ao desempenho de funções governativas? A resposta é simples. Os governos dogmáticos, dirigidos com arrogância e imbuídos de uma mentalidade escassamente democrática, têm o efeito de reduzir os seus membros a uma condição menor. É pena, mas é isso que se está a passar no nosso país.
Pedro Lomba, num peculiar acesso de insanidade, lembrou-se, qual hermeneuta genial, de atribuir ao presente Governo o estatuto de verdadeiro intérprete do espírito original do 25 de Abril. Pelos vistos, a acreditar em tão sofisticada análise histórica, os capitães de Abril, contrariamente ao que a direita sempre afirmou sobre os mesmos, não passavam de dilectos discípulos de Friedrich Hayek e Milton Friedman, valorosos antecessores de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, inesperados precursores do pensamento neoliberal na sua formulação mais extremista. Naquela madrugada Salgueiro Maia teria em vista a instauração em território luso do modelo de organização económica que Pinochet tinha instaurado alguns meses antes no recôndito Chile. Foi pena Friedman não se ter apercebido disso. Teria mandado os “Chicago boys” directamente para a Portela. Sempre evitaria a perniciosa associação do seu pensamento a uma tenebrosa ditadura de direita. Contudo, apesar do prémio Nobel, a imaginação de Friedman fica a léguas da prodigiosa capacidade inventiva de Pedro Lomba. Este não faz a coisa por menos: eis finalmente um governo que quase 40 anos depois da Revolução de Abril a reconcilia com os seus propósitos iniciais. Tanto tempo perdido, tanto Estado social indevido, tanta igualdade ilegítima, tanta liberdade desperdiçada, tantas vidas inutilmente realizadas. Afinal de contas, tudo se resumia a uma verdade mais simples: o 25 de Abril fez-se para que os portugueses vivessem pior, a liberdade então reencontrada só poderia ter sentido se fosse a condição para a consolidação de profundas desigualdades então já verificadas, a única coisa que importava era libertar o capitalismo mais radical das limitações próprias de um sistema politicamente autoritário. Pedro Lomba nunca chega a ser trágico – limita-se a navegar entre o patético e o ridículo. Infelizmente, ele é hoje mais do que ele próprio: é um dos rostos de um governo despudoradamente ignorante e aviltantemente sectário.
Bruno Maçães parece ser homem de outra cepa. Foi a Atenas mascarado de pequeno alemão, empenhado em dar lições a um povo que já conhece a democracia há mais de dois mil anos. Maçães escreve em inglês e pensa com a densidade própria de um robot tecnocrático dos tempos contemporâneos. Aqui há dias, num desses lampejos geniais que só está ao alcance das mentes verdadeiramente simples, atacou a herança socialista que identificou com 35 dos últimos 40 anos da nossa vida colectiva nacional. Como Pacheco Pereira, esse estranho homem de ideias, se atreveu a recordar, os socialistas não governaram tanto tempo no nosso país. De onde se conclui com meridiana clareza que, na perspectiva de Maçães, em tempos pretéritos o próprio PSD governou de acordo com uma inspiração socialista. Terá razão este curioso exegeta da nossa História recente. Na verdade, terá havido um tempo em que o PSD foi dirigido por pessoas empenhadas na construção de uma democracia assente na articulação de um Estado de direito e de um Estado social. Das profundezas da sua formação cristã Sá Carneiro tinha notoriamente essa preocupação; Francisco Balsemão nunca renegou uma certa herança social-democrata; Cavaco Silva, politicamente pouco polido, nunca escondeu alguma influência keynesiana; Manuela Ferreira Leite tinha a sensatez e o pragmatismo necessários para compreender a importância do Estado-providência. Até que um dia surgiu, desse assombroso nevoeiro de que emergem os nossos heróis imaginados, um homem destinado a romper com tudo, a assumir como destino a indómita tarefa do empobrecimento nacional. Pedro Passos Coelho tornou-se o D. Sebastião destas mentes propensas a cair no abismo de uma paixão ideológica a raiar a obsessão. Claro que o líder, mau grado o que vai afirmando, se empenha sempre em denegar os seus propósitos essenciais em períodos pré-eleitorais. Nisso Passos Coelho é menos do que um político vulgar. Transforma-se num lamentável demagogo. Nessas ocasiões os seus prestimosos secretários de Estado olham para o lado. Eles têm outra dimensão: estão destinados a dar lições de História aos portugueses e explicações de ética política aos gregos. No fundo, Bruno Maçães e Pedro Lomba são dois pequenos génios condenados à incompreensão. Como podem ser torpes as democracias e ingratos os povos.

2. Paulo Rangel parece um disco riscado. Uma só palavra – despesismo. Uma só obsessão o PS. Uma só ilusão – a ideia de que os portugueses ainda se deixam enganar. Por trás disto tudo anuncia-se uma inesperada evidência: a cultura pode combinar com a demagogia, o talento pode estar ao serviço do extremismo. Quando assim é,tudo se torna mais perigoso. Paulo Rangel, diga-se em nome da verdade, é um dos melhores intelectos da direita portuguesa. O que o torna não necessariamente no adversário mais temível. O espíritos mais débeis são sempre melhores soldados no exército dos extremistas dogmáticos. Por muito que tente, aulo Rangel será sempre uma longínqua imitação de um pobre scretário de Estado do presente Governo.

Deputado (PS), cabeça de lista do PS às eleições para o Parlamento Europeu

 
 

   

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