Empresário angolano dispõe-se a comprar colecção Miró em leilão

Se o Governo leiloar as obras, Costa Reis propõe-se licitá-las, desde que o leilão imponha aos compradores que as mantenham em Portugal por 50 anos.

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O empresário Rui Costa Reis Natacha Cardoso/Global Imagens
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Palacete Pinto Leite no Porto Adriano Miranda

O empresário e coleccionador de arte luso-angolano Rui Costa Reis quer comprar as 85 obras de Joan Miró provenientes do BPN e garantir que estas ficam em Portugal pelo menos nos próximos 50 anos. E se o Governo não quiser vender-lhe directamente a colecção e insistir em manter o leilão agendado para Junho na Christie’s - ou decidir promover um leilão em Portugal -, está disposto a pagar pelo menos o preço-base de licitação, desde que o regulamento do leilão estipule que os eventuais compradores ficam legalmente obrigados a mentar a colecção em Portugal durante 50 anos.

O empresário, soube o PÚBLICO, já terá feito chegar esta proposta à Parvalorem, sociedade proprietária das obras, no início de Fevereiro, quando a Christie’s decidiu suspender o leilão.

Francisco Nogueira Leite, presidente da Parvalorem, diz que "a Parvalorem foi contactada informalmente, por um advogado e por telefone", sem a apresentação de qualquer proposta escrita e identificada, e que, "estando definido o modelo da venda por leilão, não fazia sentido fazer evoluir este assunto ainda que não tivesse sido referido, por confidencialidade, quem era o interessado".

"Quanto à condição de as obras ficarem em Portugal", Nogueira Leite observa que "colocar essa cláusula é estranho e insólito, porque assim o leilão seria feito 'à medida', o que contraria o espírito de total isenção que deve orientar este processo".

Horas antes, também ao PÚBLICO, o mesmo Nogueira Leite lembrava, depois de saber da notícia do Diário Económico que apenas dava conta da intenção de compra sem mencionar o leilão, que há "um contrato válido, de boa fé e livremente assinado com a leiloeira Christie´s para a realização de um leilão em Junho".

O presidente da Parvalorem disse que "o modelo há muito seguido foi o da realização de um leilão internacional que permitisse com transparência permitir o maior encaixe financeiro possível para o Estado e eliminar, subsequentemente, quaisquer dúvidas de que o valor obtido poderia ter sido mais ou menos favorável ou resultado de alguma falta de igualdade de oportunidades e circunstâncias para os interessados".

O presidente da Parvalorem acrescentou ainda que nos últimos dois anos foi contactado "por vários investidores de todo o mundo e ligados às áreas de actividade mais distintas para negociar directamente os quadros", tendo recusado sempre "negociar com intermediários", e exigindo, "sem sucesso, a comprovação da capacidade económica dos interessados".

Mas estas declarações, coincidentes com a posição do Governo, não são, afinal, necessariamente incompatíveis com a aceitação da proposta de Costa Reis, já que o empresário está disposto a ir a leilão desde que o Governo garanta que os compradores serão devidamente avisados de que ficam legalmente obrigados a manter a colecção em Portugal.

Palacete Pinto Leite?
O que permite ler doutro modo as declarações do ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, que lembrou esta quinta-feira que eventuais interessados na compra da colecção Miró terão de demonstrar o seu interesse no leilão já marcado. "Se houver empresários, sejam portugueses, angolanos, de qualquer outra nacionalidade, que tenham interesse – e oxalá haja – em adquirir, e adquirir para ficar em Portugal, isso será uma bela notícia. O que terão de fazer é ir ao leilão e conseguir adquirir aí essas obras de arte", declarou Marques Guedes em conferência de imprensa, a seguir à reunião do Conselho de Ministros, citado pela Lusa.

Ao Diário Económico, o vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, escusou-se a adiantar pormenores por "decorrerem negociações", mas o jornal diz que a autarquia já retirou de hasta pública um palácio que poderá vir a receber as 85 obras adquiridas pelo BPN a um coleccionador japonês.

Parece provável que se trate do palacete Pinto Leite, onde funcionou o Conservatório de Música do Porto, que está desocupado e que a autarquia anunciara recentemente ir leiloar. Nem o vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, nem o presidente da Câmara, Rui Moreira, que estará a tratar pessoalmente do assunto, quiseram fazer quaisquer declarações ao PÚBLICO. Um silêncio que se terá ficado a dever ao facto de estarem ainda negociações em curso, que podem passar, por exemplo, por se saber como será assegurada a manutenção da colecção caso esta acabe mesmo por ficar no Porto, como Rui Costa Reis deseja.

Contactada pelo PÚBLICO, também a Christie’s se recusou a comentar o possível comprador, lembrando o que tinha anunciado anteriormente: um novo leilão em Junho (ainda sem data marcada). O leilão foi cancelado em Fevereiro pela Christie´s, que não considerou a venda legalmente segura. Os 85 quadros de Miró do antigo BPN voltaram para Lisboa no final de Fevereiro e estão agora num cofre-forte da Caixa Geral de Depósitos.

Consórcio de investidores
O galerista e artista Carlos Cabral Nunes, mentor da petição pública que apela ao Governo para que mantenha em Portugal a colecção de obras de Miró, disse ao PÚBLICO que "qualquer solução que permita que as obras fiquem em Portugal é melhor do que vendê-las", mas também reconhece pertinência aos argumentos invocados pela Parvalorem para não considerar a proposta de um determinado investidor, seja ele qual for, e preferir o leilão.

"Os argumentos não estão errados", diz, "porque num leilão se podem conseguir valores mais altos, e porque, a vender-se a um investidor, pode sempre aparecer depois outro a dizer que oferecia mais".

A solução preconizada por Cabral Nunes passaria pela criação de um consórcio, que poderia integrar o empresário angolano de origens portuguesas Rui Costa Reis e "outras pessoas que apresentaram propostas de aquisição", e que compraria a colecção pelo valor máximo esperado pela leiloeira Christie’s: cerca de 60 milhões de euros.

Carlos Cabral Nunes está convencido de que "uma colecção como esta, se bem gerida, se paga a si mesma e gera retorno financeiro", e defende que uma percentagem desse lucro deveria ser para o Estado português, ficando o remanescente para os investidores. O objectivo seria manter a colecção em Portugal, usando-a como ponto de partida para uma nova instituição museológica vocacionada para a arte do século XX, mas fazendo-a circular por museus nacionais e estrangeiros.

E acha que "seria interessante a colecção ficar no Porto", uma vez que "Lisboa tem a colecção Berardo" e no Porto, observa, "não há nenhuma instituição que cubra este período, já que Serralves se centra sobretudo na segunda metade do século XX e na arte contemporânea". Em Fevereiro, quando ainda não podia prever que um empresário angolano com raízes portuenses ia tentar comprar os Mirós, Paulo Cunha e Silva comentou ao PÚBLICO, em tom de brincadeira: "Se o secretário de Estado da Cultura quiser oferecer-me a colecção, com certeza que lhe arranjaria um espaço na cidade".

Independentemente do destino que a colecção vier a ter, Carlos Cabral Nunes continua empenhado em que ela possa ser exposta em Portugal. Segundo Cabral Nunes, a Parvalorem autorizaria a exposição, caso a Christie’s não levantasse objecções, e "uma importante instituição museológica do país" que Cabral Nunes não quis identificar já aceitou expor as obras no curto prazo disponível até à realização, em Junho, do leilão da Christie’s, admitindo que este venha mesmo a concretizar-se.

Os responsáveis da petição já criaram mesmo um site – www.joanmiroportugal.wordpress.com –, no qual aceitam pré-reservas para a eventual futura exposição, que, a concretizar-se, dificilmente poderá estar patente mais do que um mês.

O PÚBLICO tentou ainda ouvir a deputada Gabriela Canavilhas, que, na semana passada, no Parlamento, tinha avançado ter conhecimento de que havia "soluções em curso em cima da mesa do primeiro-ministro", que passariam "por políticos e empresários", que poderiam evitar a venda das obras de Miró em leilão em Londres.

Em reunião de trabalho fora do país, a ex-ministra da Cultura do governo socialista remeteu a resposta para Inês de Medeiros. A actriz e deputada diz não conhecer "o detalhe da proposta do empresário angolano", e acrescenta que o PS "não tem que ter uma posição" sobre ela. Mas lembrou a posição em que o seu partido vem insistindo, desde o início do processo. "O que é preciso, primeiro que tudo, é fazer um inventário das obras e depois uma reflexão séria sobre aquelas que eventualmente justifiquem classificação, e que devem ficar em Portugal".

Inês de Medeiros voltou a criticar a posição do Governo nesta matéria, cuja apregoada "transparência neste processo se mostra bem mais opaca e cheia de secretismo". "O governo afirma-se sempre peremptório e taxativo, mas, afinal, anda a negociar por trás", acusa a deputada, que estende as suas críticas à Direcção-Geral do Património, que tem "falseado os dados" relativos ao calendário do processo.

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