Um ciclone chamado Matteo Renzi

Será que a Itália algum dia se reformará? Passada a experiência de Mario Monti, as atenções centram-se em Renzi.

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Ele tem um argumento: não há outra forma de resolver “o crónico imobilismo do sistema italiano” e de “sair do pântano”. É o único líder político do momento. Acaba de assumir a responsabilidade do governo nas piores condições, com uma frágil maioria parlamentar. Muitos não esperam dele que apenas governe, mas muito mais, uma viragem. É o enigma que importa interrogar.

“Matteo Renzi não é um fruto das elites. É um político puro. Com os seus limites e com dois pontos de força: o faro e a energia”, escreve no Corriere della Sera o escritor Aldo Cazzullo. “O faro sugeriu-lhe que a única maneira de emergir na esquerda era ir contra a velha guarda, respondendo à frustração das bases para quem os líderes nunca venciam.” Conquistou, em Dezembro, a liderança do Partido Democrático (PD) contra uma nomenklatura que o encarava como um “corpo estranho”.

Os italianos ficaram algo perplexos quando, no dia 12 de Fevereiro, ele forçou a demissão do primeiro-ministro Enrico Letta, seu colega do PD, substituindo-o na chefia do governo sem passar por eleições. Dizia que não aceitaria o cargo antes de ganhar eleições. Para a sua equipa, teria mais a perder do que a ganhar. 

Explicou o jornalista Fabrizio Forquet no diário Il Sole 24 Ore: “Matteo Renzi não raciocina como nós. Aquilo que qualquer pessoa pode perceber como um risco ou um erro é para ele uma oportunidade.”

O “rottamatore 
Matteo Renzi nasceu em 1975 nos arredores de Florença, numa família da pequena burguesia. Teve educação católica, ajudou à missa e foi escuteiro. Em 1999 licenciou-se em Direito e casou-se com Agnese Landini. A primeira intervenção política remonta a 1995, quando fundou um comité de apoio à candidatura de Romano Prodi. Foi secretário local do Partido Popular, sucessor da Democracia-Cristã, e em 2001 tornou-se coordenador provincial do grupo Margarida (católicos de esquerda e liberais). Em 2004, foi eleito presidente da província de Florença. Em 2007, fez parte do núcleo fundador do PD.

Segundo a praxe do centro-esquerda, a província cabia aos católicos e a cidade aos pós-comunistas. Renzi desafia as regras do jogo e candidata-se ao município. Em 2009, derrota nas primárias o candidato oficial do PD, vence as eleições e entra no Palazzo Vecchio com uma equipa de cinco homens e cinco mulheres. Em 2010, era “o presidente da Câmara mais amado da Itália”. 

Em Agosto de 2010, usa pela primeira vez a palavra “rottamazione” — equivalente a mandar para sucata. Numa entrevista ao La Repubblica declarava que, para se desembaraçar de Berlusconi, a esquerda devia mandar para a sucata “uma geração inteira de dirigentes do meu partido”, do veterano Sergio D’Alema ao secretário nacional Pier Luigi Bersani. “Os nossos inscritos, os nossos simpatizantes, os muitos desiludidos [perguntam-se]: quando acordarão da anestesia? Nunca darão conta de que perderam o contacto com a realidade?” Passou a ser o “rottamatore”. 

Desafiou Bersani nas primárias de Novembro de 2012. Fez a campanha numa rulote. Para surpresa geral, obrigou Bersani a uma segunda volta. Perdeu mas arrancou uma vitória política: as sondagens apresentam-no como o melhor candidato do PD para bater Berlusconi. A sua imagem está construída. 

Nas legislativas de Fevereiro de 2013, após a queda do governo Monti, o PD consegue a proeza de “não ganhar” apesar de Berlusconi ter perdido. Qual era o problema? Respondia a politóloga Elisabetta Gualmini: “É um partido que renunciou a elaborar um programa e uma estratégia para vencer eleições, preferindo defender a identidade interna e os grupos dirigentes, velhos e novos, que lhe são fiéis.” O PD queria ser, ao mesmo tempo, “um partido de oposição permanente e de governo”.

Nas primárias de Dezembro de 2013, Renzi é eleito secretário nacional por maioria absoluta entre militantes e entre eleitores. Resume a politóloga Sofia Ventura: “Letta representa o exemplo do brilhante enfant prodige cooptado pelos mestres. (...) Diferente é o caso de Renzi. A sua história é a da construção de uma verdadeira e própria liderança.”

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Campanha do PD em Outubro de 2012, quando Renzi era presidente da câmara de Florença OLIVIER MORIN/AFP

O homem é o estilo
Entre os atributos de Renzi citam-se a capacidade de comunicação e a eficácia do apelo à ruptura. “Como praticamente todos nós, de 30 ou 40 anos, também Renzi pensa que a política tem de ser rejuvenescida, renovada e modificada a fundo. Mudar o léxico e as liturgias, as regras e as atitudes” — escreve o jornalista Marco Castelnuovo. No mundo anglo-saxónico é saudado como o “Tony Blair italiano”. Na esquerda radical italiana chamam-lhe “Berluschino” ou “o mais jovem dos velhos”. 

Eugenio Scalfari, fundador do La Repubblica, sempre foi céptico mas sensível em relação ao apelo do florentino. “O mérito de Renzi é sempre ter estado de acordo com todos a fim de que todos estejam de acordo com ele. Para mais — e não é pouco — entram em jogo a sua ‘desmesurada ambição’ e a sua desmesurada energia. Na minha opinião, assemelha-se muito a Berlusconi no que diz respeito à sedução. É um líder de 24 carates como o Berlusconi jovem.”

Renzi é um homem da era da política mediatizada e personalizada. Mas, se “o homem é o estilo”, ele vai mais longe. A ruptura começa na linguagem. “Com Renzi — escreve o politólogo Luca Ricolfi — a esquerda reapropriou-se da linguagem natural e com esta simples mudança eliminou um formidável handicap que sempre a condicionou no confronto com a direita. Todo o establishment de esquerda sempre falou em código, usando conceitos abstractos, fórmulas vazias, alusões perfeitamente compreensíveis para os iniciados mas dramaticamente longe da vida e da sensibilidade das pessoas comuns. Para os perceber (...) era preciso um intérprete.”

A ruptura prossegue numa cultura da velocidade, enunciada pelo politólogo Ilvo Diamanti. “Renzi é o homem dos tempos velozes. Dos factos velozes. De resto, aos italianos, agrada esta atitude. Não é por acaso que Renzi é, de longe, o mais apreciado entre os líderes. (...) É o homem dos tempos velozes, nestes tempos velozes. E tão velozes que até eu, confesso, me sinto retardado.”

Para Renzi, no reino da “política lenta” e perante uma Itália “à beira do abismo”, velocidade rima com decisão. Em três meses conquistou o PD, impôs a reforma eleitoral (negociando com o “diabo” Berlusconi), afastou Letta e assumiu o governo. Para os “cem dias” propõe um “road map titânico”: quatro grandes reformas até Maio, incluindo as leis do trabalho e o sistema fiscal. Tentará entretanto acordar com Mario Draghi e o BCE alguma flexibilidade financeira para apostar no crescimento da produção e do emprego.

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Renzi depois de um encontro com o Presidente Giorgio Napolitano, a 17 de Fevereiro Max Rossi /REUTERS

Altos riscos
É altura de perguntar: porquê tanta pressa em ir para o governo? Não podia forçar eleições antecipadas e Letta estava em queda livre. “O governo condenou-se pela sua própria inércia”, anotou um analista. A situação económica deteriora-se e a Itália está a três meses de uma prova de fogo: as europeias de Maio. Está montado o quadro para uma vaga anti-europeísta, que poderá conjugar Beppe Grillo, a Liga Norte e talvez Berlusconi, com efeitos nefastos para a Itália, para o euro — e para o PD de Renzi. 

Os riscos da velocidade e do “decisionismo” são altos. Pergunta-se Mario Calabresi, director do La Stampa: “Ele tem razão em não querer ficar atolado no pântano. Resta saber se governar não é uma maratona e se será possível chegar à meta à mesma velocidade com que se correm os 100 metros.” Algumas das reformas precisarão de anos.

Na noite da vitória no PD Renzi declarou: “Queríamos mudar a política e não conseguimos. Será belíssimo demonstrar agora que a política não nos mudará a nós.” Os amigos temem que, uma vez no palácio, fique — como antes Mario Monti — atascado nas areias movediças dos rituais romanos. 

Hugh Dixon, analista da Reuters, extrema e clarifica os cenários. “Se Renzi conseguir realizar tudo isto [as reformas] será um herói. Se não o conseguir, tornar-se-á claro que mais ninguém será capaz de reformar a Itália. Nesse caso, poderá não haver outra opção senão chamar a troika.”

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