Dois autarcas aliados contra o “embarrilamento” do centralismo

Presidentes das câmaras de Lisboa e Porto em sintonia sobre a descentralização de competências e os desmandos da administração central.

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Miguel Manso

O Estado central e o Parlamento foram o alvo principal dos presidentes da câmara das duas principais cidades do país. O socialista António Costa e o independente Rui Moreira estiveram ontem na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, para debaterem com o sociólogo António Barreto As Cidades e o Desenvolvimento no Futuro, na 3ª das conferências Olhares Cruzados, organizadas pelo PÚBLICO e pela Universidade Católica do Porto.

Ao longo das quase três horas de debate sucederam-se os exemplos, relatados pelos dois autarcas, de casos em que a administração central, mais do que atrapalhar, armadilha o esforço das autarquias em servir os cidadãos. E de um apelo de António Barreto resultou o compromisso, assumido por Costa e Moreira, de se aliarem no combate ao Estado central. “Para irmos mais longe, vamos ter que nos preparar. Vamos ter de recorrer aos nossos recursos e propor a transferência de competências do Estado central. Vamos tentar”, prometeu Moreira.

A semelhança de discurso entre os dois autarcas foi uma constante. Um dos melhores exemplos foi o momento em que se discutiu o que o Parlamento andava a aprovar sem o conhecimento dos portugueses. “Todos os dias aparecem decretos na Assembleia da República que atribuem competências a entidades centralistas”, denunciou o presidente da Câmara do Porto.

António Costa pegou na deixa e apontou dois casos “ridículos”. “Em nome da desburocratização”, o Parlamento decidira que o licenciamento de “cabeleireiros ou lavandarias” passava “a ser feito pela Direcção Geral das Actividades Económicas”. E denunciou outro diploma que, em nome da “desregulamentação”, determinadas categorias de produção industrial - “produção de bolos ou uma padaria”, acrescentou o autarca lisboeta -, passavam a poder instalar-se em prédios de habitação, "sem [a autorização] passar pela câmara mas antes pela Direcção Geral das Actividades Económicas”.

Rui Moreira haveria de reportar outro episódio obscuro dos meandros da administração central, a propósito da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) do Porto. De como o Governo decidiu fiscalizar “as contas da sociedade”, que Moreira liderara, assim que este entrou na corrida autárquica. “Mal me apresentei às eleições”, enfatizou. E de como o relatório da Inspecção-Geral “ficou guardado”, apesar de ter ficado pronto “antes das eleições”, porque concluía “que a tutela não tinha razão e que tinha contribuído para a situação” deficitária em que a SRU se encontrava. O que levou Rui Moreira a concluir que “este tipo de embarrilamento feito por instrumentos da administração central sem qualquer legitimidade” é tão prejudicial “como a corrupção”. “O centralismo é uma questão cultural que transcende todos os governos”, admitiu António Costa, com a vantagem de já ter integrado vários executivos.

A aliança no combate ao centralismo foi selada com a enumeração das competências que ambos acreditavam que seriam exercidas com mais eficiência pelas autarquias. “Eu gostava muito de ficar com o [ensino] secundário, mas, para isso, era preciso vir o cheque”, disse Moreira. “Eu aceito as escolas, os centros de saúde, o transporte, as esquadras”, começou por dizer Costa, para logo lembrar casos de autarquias que haviam assumido responsabilidades sem que, depois, o Governo lhes transferisse as verbas necessárias para as desenvolverem. “Os riscos de ficar com as competências e sem os meios são enormes. Todos os municípios que assumiram [a gestão de] escolas do 2.º ciclo se arrependeram”, alertou.

Os dois presidentes de câmara não convergiram apenas nas críticas, também discutiram áreas em que os municípios poderiam colaborar, para obter ganhos de escala. Nos “programas de reabilitação urbana dos centros históricos”, sugeriu Costa. Com as vantagens de se potenciar a “absorção da massa de desemprego mal qualificado associado à fileira da construção civil”, de se mobilizar as universidades para investigarem “materiais mais eficientes”, as indústrias para os produzir e com as câmaras como “motores” desse esforço.

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