Secretário de Estado diz que críticas de Rui Moreira aos fundos comunitários são "equívocos"

Castro Almeida garante que não haverá "abuso" da utilização do efeito spill over.

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Castro Almeida garante que mantém boa relação com Rui Moreira e espera o seu contributo para a discussão sobre o Portugal 2020 Enric Vives-Rubio

O secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Manuel Castro Almeida, considera “legítima” a “preocupação” do presidente da Câmara do Porto quanto aos fundos comunitários, mas, com as verbas para o Norte a aumentarem 25%, encara as críticas de Rui Moreira como meros “equívocos”.

“Eu acho bem, fico feliz de ver o presidente da Câmara do Porto e vários outros presidentes de câmara interessados no tema 'fundos europeus'. Apenas lamento que tenha misturado uma preocupação que é legítima com informações que são, objectivamente, erradas”, afirmou Castro Almeida em entrevista à Lusa.

O governante reagia às recentes declarações de Rui Moreira, que acusou o Governo de “centralismo” na distribuição dos fundos comunitários do próximo Quadro Comunitário de Apoio, o Portugal 2020, e de ter visto as suas propostas recusadas por Bruxelas por “não acautelarem a promoção e coesão territorial” e não terem “uma cobertura geográfica clara e equilibrada”.

Como exemplos das “informações manifestamente incorrectas” avançadas por Rui Moreira, o secretário de Estado aponta a ideia “de que o Norte ia ficar com menos dinheiro ou que Portugal estava atrasado na apresentação do acordo de parceria”.

“Os fundos comunitários nos próximos sete anos vão diminuir um bocadinho em termos gerais. Apesar disso, os programas operacionais regionais vão crescer substancialmente, [para] cerca de 2100 milhões de euros acima do quadro anterior, o que significa que vão passar de 26% do QREN [Quadro de Referência Estratégica Nacional] para 37% do total dos fundos no Portugal 2020”, declarou Castro Almeida. 

Destacando que este “reforço forte dos programas regionais” significa que “o dinheiro vai ser gerido mais próximo das regiões mais pobres”, o secretário de Estado defende que esta é a melhor forma de “defender o interesse nacional” e de tomar as “decisões mais acertadas”. 

“O nosso país tem uma grande tradição centralista que é preciso combater. Acho que o centralismo é a forma mais ineficaz de governar uma organização e acredito muito na consideração dos interesses locais”, sustentou. No caso do Norte, Castro Almeida destaca que o respectivo programa operacional beneficia de um reforço de 24,8%, para 3321 milhões de euros, no Portugal 2020 face ao QREN, dispondo de fundos “quatro vezes superiores” aos da região de Lisboa. “O programa [Operacional do Norte] cresce 660 milhões de euros. Isto é absolutamente claro e inequívoco”, afirmou Castro Almeida.

Já relativamente ao alegado atraso na entrega do acordo de parceria à Comissão Europeia, o secretário de Estado diz que “Portugal foi o quarto país, em 28”, a apresentar o documento, tendo-o feito “ainda no mês de Janeiro”, quando o prazo “terminava em 20 de Abril”.

“Estivéssemos nós em todos os rankings em quarto lugar como estivemos na ordem de apresentação do acordo de parceria”, gracejou Castro Almeida, atribuindo as críticas de Rui Moreira a “alguns equívocos” que considera estarem já “ultrapassados”.

Estas posições de Rui Moreira começaram por ser assumidas numa moção aprovada na Câmara do Porto, no dia 21, com os votos da maioria Independentes-PS e da CDU e a abstenção dos dois vereadores do PSD. Seguiram-se comunicados da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional e da própria Comissão Europeia a garantir que Portugal não estava atrasado na apresentação da proposta de acordo de parceria e que não havia críticas de Bruxelas à proposta portuguesa, justamente por esta ainda não existir. Rui Moreira exibiu então a “informação informal” que Bruxelas enviara a Portugal - em resposta a uma proposta, ainda preliminar, de acordo de parceria – na qual baseou as suas críticas. E a Secretaria de Estado emitiu novo comunicado a sublinhar que o documento apresentado por Moreira não confirmava nada, dado que ainda não havia proposta formal e que, objectivamente, Portugal não estava atrasado na sua apresentação.

Agora Manuel Castro Almeida diz contar que a “boa relação pessoal” que, “para além das obrigações institucionais”, mantém com o presidente da Câmara do Porto seja um trunfo na nova fase de discussão do Portugal 2020 que agora se abre. É que, disse, apesar das “mais de 300 reuniões públicas” já mantidas com associações empresariais, associações sindicais e Associação Nacional de Municípios para elaboração do acordo de parceria, a “participação mais forte” dos autarcas na gestão das verbas comunitárias é esperada a partir de agora.

“Só agora é que vamos começar a trabalhar os programas operacionais e é aí que vai haver espaço para uma intervenção mais intensa dos autarcas, designadamente. O desafio que temos agora pela frente é distribuir e gerir bem o dinheiro, porque não podemos chegar daqui a sete anos e dizer que gastámos 21 mil milhões de euros e continuamos a ser a região mais pobre” da Europa, concluiu.

Castro Almeida garantiu ainda que no acordo de parceria do programa Portugal 2020 “não há nenhuma referência ao [efeito] spill over”, que considera “inevitável”, mas não admite que seja usado abusivamente a favor do centralismo.

“No acordo de parceria não há nenhuma referência ao spill over [efeito difusor, admitido como argumento para afectação de verbas destinadas às regiões da convergência em projectos na Região de Lisboa e Vale do Tejo]. Portanto, não vai seguramente haver abusos por esse lado, não vão ver a Junta Metropolitana do Porto [o actual Conselho Metropolitano do Porto (CMP)] a votar uma acção contra o Estado português por uso indevido do artigo 70 do regulamento europeu”, afirmou ainda.

O secretário de Estado referia-se ao processo judicial (interposto há vários anos, mas ainda em curso) em que a Junta Metropolitana do Porto acusa o Estado português de recorrer abusivamente à aplicação do efeito spill over para justificar a transferência de verbas do Norte para a capital. Castro Almeida era, na altura, vice-presidente da JMP e votou favoravelmente a acção. “Acho que, no passado, houve alguns abusos para fazer em Lisboa investimentos com dinheiro destinado às regiões pobres e foram esses abusos que eu combati. Bati-me com honra por isso, estou orgulhoso de ter votado na JMP uma acção contra o Estado e não mudei de opinião, tenho ideias muito firmes nesta matéria”, afirmou à Lusa.

Ainda assim, o secretário de Estado diz “aceitar” o spill over, considerando-o mesmo “inevitável”, desde que usado “quando o investimento tem obrigatoriamente de ser feito em Lisboa para beneficiar o país todo”. “A minha tese é muito simples: se um certo investimento para resolver problemas em Bragança tiver que ser feito em Lisboa, então é inevitável que ele tem de ser feito em Lisboa, com dinheiros dos programas operacionais de Bragança. Mas se esse investimento puder ser feito em Lisboa ou em Bragança, então é ilegítimo invocar o spill over para fazer em Lisboa, dizendo que vai beneficiar Bragança”, explicou.

Como exemplo, avança o caso da informatização do Supremo Tribunal de Justiça (STJ): “Está em Lisboa, mas interessa a quem? Ao país inteiro. Vamos deixar de fazer esse investimento porque o STJ está em Lisboa ou vamos pôr um STJ em cada parte do país? Não pode ser, aqui o investimento só pode ser feito em Lisboa e, então, acho legítimo invocar o spill over. Mas quando o investimento pode ser feito num lado ou noutro, eu digo: tem de ser feito na região pobre”.

Na sexta-feira, o líder da distrital do Porto do PS, José Luís Carneiro, criticou o facto de a proposta portuguesa de acordo de parceria ter sido apresentada nesse dia a Bruxelas antes da realização das reuniões que os órgãos representativos da Região Norte haviam marcado para os dia 5 e 13 de Fevereiro. Antes disso, contudo, Carneiro criticara a Câmara do Porto, de cujo executivo faz parte o líder da concelhia do PS, Manuel Pizarro, que fez um acordo de governação do município com os independentes de Rui Moreira contra a vontade da distrital. O presidente da federação distrital afirmara que a discussão sobre os 21 mil milhões do Portugal 2020 não podia ser feita na praça pública.

O vereador da CDU na Câmara do Porto, Pedro Carvalho, propõe agora ao executivo que aprove na reunião desta terça-feira uma moção na qual também lamenta que “não se tenha procedido a uma reanálise” dos investimentos a realizar através do Portugal 2020 e que “não tenham sido consultados, de forma prévia ao acto de entrega do acordo de parceria, os órgãos intermunicipais, metropolitanos e regionais, e as estruturas representativas das autarquias”. Para a CDU, tudo isto “resultou num processo negocial que tem sido pouco transparente”.

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