Tribunal de Contas arrasa Ministério Público por não acusar membros do Governo da Madeira

Magistrado decidiu devolver processo sem deduzir acusação, apesar da “abundante matéria de facto e probatória existente” na auditoria sobre omissão de dívidas.

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O Governo regional da Madeira, em 2012 Enric Vives-Rubio

O Tribunal de Contas (TC) está “chocado” com a decisão “demasiado apressada e desajustada” do magistrado do Ministério Público que devolveu o processo de auditoria, “barrando assim o caminho para julgamento” dos membros do governo regional da Madeira por omissão de dívidas.

“Só por distracção ou prefixação noutra solução, mais simples e divorciada da factualidade espelhada no processo de autoria, se justifica uma conclusão destas”, frisa o despacho do juiz conselheiro da Secção Regional do TC, publicado nesta segunda-feira no Diário da República. “A matéria de facto é realmente muita, assim como a documentação que a suporta”, acrescenta José Aveiro Pereira, referindo-se aos resultados desta acção fiscalizadora explicitados no Relatório n.º 8/2012- FS/SRMTC, aprovado a 31 de Dezembro de 2010.

A auditoria concluiu que o Instituto de Administração de Saúde e Assuntos Sociais (IASAUDE) e o Instituto do Desporto da Madeira haviam assumido, respectivamente, encargos omissos de 169,3 milhões de euros e 6,9 milhões de euros, “levando a um valor total que devia ser corrigido em alta para 353,2 milhões de euros”.

Apesar disso, “o Ministério Público coibiu-se de acusar os governantes regionais indiciados pelas infracções financeiras que lhe são imputadas, não porque não haja factos e provas em abundância, que tornam os indícios fortes, indeléveis e não escamoteáveis, mas porque optou por uma linha de raciocínio divergente da realidade plasmada na auditoria e no respectivo relatório, eivado de conjecturas e ficções desarmónicas com o dever de objectividade e de legalidade por que se deve pautar a conduta processual do agente do MP”, frisa o despacho.

“O Tribunal entende, e com sólida fundamentação, que foram cometidas as infracções”, acrescenta o despacho, concluindo que “o MP ignorou a responsabilidade financeira dos membros do Governo e mandou notificar apenas os restantes indiciados”.

Jardim enjeita responsabilidades “varridas para debaixo do tapete”
Por outro lado, reitera o despacho, “numa lógica de dissimulação, os governantes ignoraram consciente e voluntariamente os encargos assumidos e não pagos e continuaram a inscrever no Orçamento Regional verbas irrisórias face à dimensão desses encargos acumulados e ‘varridos para debaixo do tapete’”. “É isto que se indicia abundantemente nos autos e que o MP omite”, acusa o juiz, que manifesta a sua “firme e frontal discordância perante a insustentável leveza com que o MP desconsidera e afasta, neste processo, o resultado factual e probatório da auditoria, além de ignorar a obrigação que recai sobre os responsáveis de demonstrarem que geriram e aplicaram bem os dinheiros públicos”.

O juiz conselheiro do TC entende que a decisão do MP “impede o Tribunal de Contas de julgar os membros do Governo Regional da Madeira”, apesar de “fortes indícios de infracções financeiras sancionatórias graves”, não afastando, porém, “a possibilidade de o julgamento vir a ser requerido, pois, a abstenção [do MP] não tem efeito nem autoridade de caso julgado”.

Para recusar levar os membros do governo madeirense a julgamento, o procurador da República junto da secção regional do TC alegou que “não existe qualquer prova de que os membros do Governo tivessem tido qualquer intervenção, por acção ou por omissão (…), quer na vertente dolosa, quer na negligente, na violação das normas orçamentais”.

Na auditoria em detectou novas dívidas na Madeira, desta vez omitidas pelos institutos públicos regionais da Saúde e do Desporto, o TC concluiu que estes factos consubstanciam infracções financeiras puníveis com multa entre 1530 e 15.300 euros, atribuídas a vários membros do governo e directores dos dois institutos, em relação aos quais se extingue o referido procedimento se a multa for paga. No relatório final, censurou também a Direcção Regional do Orçamento e Contabilidade (DROC) por não ter exercido na "plenitude as suas atribuições e competências" em matéria de fiscalização orçamental e superintendência da contabilidade pública, fazendo com que tivessem sido fornecidos valores "incorrectos de encargos assumidos e não-pagos que puseram em causa a suficiência e credibilidade da informação financeira" reportada.

Em sede do contraditório, Alberto João Jardim enjeitou responsabilidades, alegando que "o presidente do Governo não tem, nem nunca teve, intervenção, directa ou indirecta, na elaboração e tramitação administrativa dos processos que são da alçada dos respectivos secretários". Mas o tribunal entende que "nada do que foi dito invalida a responsabilidade individual dos governantes, advinda da participação na elaboração da proposta de orçamento e na decisão consubstanciada na sua aprovação pelo plenário do conselho do governo regional".

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