“Não podemos escamotear que teremos de reduzir pessoal”

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Pedro Gonçalves preside à Elos, empresa que já adquiriu várias construtoras. Foto: Miguel Manso

Pedro Gonçalves, presidente do fundo Vallis, do qual quatro bancos são accionistas, diz que após a compra da Edifer, Monte Adriano e Hagen, o objectivo é ter 90% das receitas no exterior

Pedro Gonçalves, ex-presidente da Soares da Costa, é o rosto de um projecto que nasce da crise que se instalou na construção. O fundo Vallis, cuja gestão lidera e que tem como accionistas o BES, BCP, CGD e Banif, comprou três empresas este ano: Edifer, Monte Adriano e Hagen. A aquisição destas duas últimas construtoras, conhecida no início da semana passada, faz com que se torne no equivalente ao quarto grupo do sector a nível nacional, com um volume de negócios, a valores de 2011, de 600 a 700 milhões de euros. E está a analisar mais aquisições.

Perante a degradação acelerada do sector no mercado nacional, que deverá assistir a mais encerramentos, e a um agravamento substancial do desemprego, a expectativa do gestor é ter 80% a 90% das receitas geradas no estrangeiro, sem contrair mais dívida. Mas a consolidação dos três grupos levará também a mais despedimentos. Sobre a renegociação com o Estado nas subconcessões do Baixo Alentejo e Algarve Litoral, diz esperar que o acordo seja assinado a muito curto prazo, e que houve a necessidade de as subconcessionárias serem agentes activos num processo "que evite uma ruptura".

O que levou a Monte Adriano e a Hagen a decidirem vender?

Há detalhes que por razões de confidencialidade não posso revelar, mas existem lógicas diferentes nos dois casos. No caso da Monte Adriano, houve a consciência de que, para manter uma dinâmica de crescimento e de internacionalização, se tornava imprescindível encontrar massa crítica por força de parcerias, de alianças ou de um projecto mais alargado. Os accionistas da família Monte entenderam que, no ciclo em que a empresa se encontrava, não haveria condições para manter uma lógica de continuidade isolada. Já a situação da Hagen é a de uma empresa que, apesar de ter já uma presença internacional em Angola, está ainda maioritariamente assente no mercado nacional. E, num cenário como o que tem estado a acontecer no sector e que se vai manter ao longo dos próximos meses, se não anos, a Hagen sentiu que os seus recursos só poderiam ser utilizados e as suas dívidas só poderiam ser satisfeitas se passasse a fazer parte de uma realidade onde pudesse ter mais força no mercado internacional. Ou seja, foi uma necessidade mais imposta por esta abrupta viragem no mercado nacional.

Era aos bancos subscritores do fundo que estas duas empresas mais deviam?

Sim, aliás será assim em quase todo o sector.

Quais serão os passos a dar agora para fundir as três empresas?

Um destes dias uma nova marca de referência surgirá. A empresa de construção não se chamará Vallis. Mas, para já, haverá uma primeira fase de integração de áreas, sobretudo de apoio e backoffice, mas também a nível de estrutura comercial e de produção. Não faz sentido que as empresas continuem a aparecer isoladamente e em concorrência nos concursos. Teremos de identificar qual terá as valências mais adequadas para cada tipo de obra. Além disso, e porque estamos a falar de três grupos empresariais que são cada um deles a cabeça de mais de uma ou duas dezenas de empresas, haverá outra etapa em paralelo de simplificação de cada um deles, começando, por exemplo, por fundir internamente empresas. Não ponho um horizonte temporal para a fusão jurídica, mas apontaria o início do próximo ano para termos condições para estar a operar como um único grupo.

Isso significa que as marcas Edifer, Monte Adriano e Hagen vão desaparecer?

Não temos essa lógica cega, porque há mercados internacionais em que têm uma força própria e isso é um património que não podemos desperdiçar. Vamos criar uma marca comum, que seja o aglutinador de uma nova cultura, não que queiramos rejeitar as culturas que há em cada um dos grupos. Esse é um dos maiores desafios com que nos deparamos.

Neste caso, é particularmente desafiante pelo carácter familiar de duas das empresas em causa.

Sim, embora seja justo reconhecer que estamos a falar de empresas que, independentemente de ter existido um peso da família e dos accionistas, têm um grau elevado de organização e de gestão profissional, que nós mantivemos. Da gestão das empresas apenas saíram os elementos ligados familiarmente, os próprios accionistas ou a família mais próxima. O nosso desafio é tirar partido desta diversidade, num quadro de uma realidade que vai ser muito diferente daquela em que se moveram. Estamos a falar de uma nova empresa, cujo horizonte é, provavelmente num tempo não muito longínquo, estar a fazer entre 80% e 90% do seu volume de negócios no mercado internacional.

A simplificação que referiu vai implicar a venda de activos?

O foco é na construção. Não vou dizer que não haja outras áreas de negócio interessantes, mas a prioridade número um terá de ser a geração de cash flow no sentido de remunerar a dívida, os capitais que estão aqui investidos, porque o grande problema da construção é de natureza financeira. É também um problema económico, mas é muito de natureza financeira pelo nível de passivo que as empresas atingiram. Por isso temos de actuar dentro de um plano que está traçado de progressiva amortização do passivo, o que significa que não fica margem para desenvolver áreas de negócio que pressuponham capital.

Também para não haver demasiada dispersão?

Sim, embora o principal motivo seja a geração de caixa para amortização do passivo. É uma restrição imposta pelo sistema financeiro, mas também auto-imposta, no sentido de evitar nova dívida para investir em novos negócios. Há também uma área de alienação de activos particularmente importante, que é a de todo o património imobiliário, quer acabado para venda, quer de tipo industrial ou terciário, como escritórios, que naturalmente vai resultar disponível com este processo de integração. Esse conjunto de activos tem um valor significativo.

Haverá mais despedimentos nestas empresas?

É inevitável por duas ordens de razões. A primeira, que será a menos importante, é o facto de num processo de fusão haver sempre funções redundantes. A razão mais relevante prende-se com aquilo que acontecerá ao longo dos próximos meses no mercado nacional, que é o finalizar da obra que estava contratada. Naturalmente há uma parte da força de trabalho que deixará de poder ser utilizada. É verdade que há uma estratégia de internacionalização que permitirá contrabalançar, mas não chega. O grande problema em Portugal é a rapidez com que a desaceleração está a acontecer. As empresas que já tinham uma estratégia de internacionalização têm as sementes lançadas. Aquelas que estavam numa fase mais embrionária, como acontece na maioria dos casos, não é de um momento para o outro que vão conseguir angariar contratos em condições de representar a substituição integral do mercado nacional. O segundo aspecto é o facto de haver segmentos de colaboradores que, se as empresas não recrutarem no mercado local, não serão competitivas, já para não falar do facto de haver países cujas regras laborais o impõem. Aquilo que temos dito aos colaboradores é que acreditamos que este projecto permitirá preservar a maioria dos postos de trabalho. Infelizmente, não podemos escamotear que teremos de efectuar reduções de pessoal em cada uma das empresas.

Quantos trabalhadores têm os três grupos e que percentagem pretendem reduzir?

O número aproximado, considerando apenas os que estão vinculados a Portugal, porque será muito superior se incluirmos as geografias em que estes grupos estão presentes, está na ordem dos 2200. Não temos ainda uma previsão, até porque a situação não será igual em todas as empresas. Algumas delas ao longo dos últimos meses já fizeram parte desse trabalho. Haverá nesses casos puros acertos resultantes dos reajustes e das redundâncias decorrentes deste processo. Haverá outros onde esse processo ainda não tenha decorrido em que o número poderá ser percentualmente mais significativo.

Disse que está a chegar ao fim a última fase de encomendas da construção em Portugal. Quer dizer que o cenário já é negro mas vai ser ainda pior?

Não diria que vai ser ainda pior, porque o grande embate já foi sentido ao longo destes últimos meses. Poderá, no entanto, ser mais visível, porque poderemos assistir ainda a mais empresas a fechar e a um agravamento substancial do desemprego no sector.

Afirmou que o objectivo é gerar até 90% das receitas no exterior. Como é que vão fazê-lo? Vão pedir financiamento à banca, vender participações nos mercados onde operam?

Pedir à banca seguramente não será o caminho, porque a actividade da construção tem margens baixas, comparando com outros sectores, mas tipicamente opera com cash flow positivo. Ou seja, no seu modelo desejável deve ser autofinanciável. Se estamos a arrancar com uma obra que implica investimento, deveremos ter as condições de que faça parte do pacote contratual a existência de adiantamentos que permitam fazer essa mobilização de recursos. Portanto, estamos a falar apenas de investir em promoção comercial, nas delegações, na deslocação de equipamentos. Pelas primeiras análises que fizemos, conseguiremos fazê-lo com os recursos próprios. E estes 90% de receitas provenientes de actividades internacionais queremos que venham relativamente bem distribuídos. Desejamos que nenhum mercado isoladamente represente mais do que 20% a 25% do total do volume de negócios. Sendo a actividade da construção cíclica, é importante não criarmos uma dependência excessiva.

Vão fazer mais aquisições?

Temos mais alguns dossiers em estudo, mas não posso revelar mais, até porque não posso garantir que vão resultar em transacções. O processo de compras ainda não está fechado, mas sentimos hoje que criámos a plataforma-base para pôr de pé o novo grupo. Permanecemos, no entanto, abertos a poder fazer outras aquisições.


Que vantagens retiram os bancos? O fundo é uma forma de limparem o balanço, convertendo o capital em dívida?

A pergunta teria de ser posta directamente aos bancos, mas aquilo que lhes temos apresentado é a capacidade de este projecto poder pagar dívida. Portanto, os bancos, por via da sua participação no fundo, ficam com uma forte perspectiva de virem a receber.

Os bancos têm tido um papel importante na análise e na decisão de compra das empresas?

A identificação dos alvos tem de ter em conta a conjugação de três interesses ou vontades: da Vallis, ao sentir que eles representam valor, dos accionistas, que têm de estar disponíveis para um projecto desta natureza, e dos bancos, que têm de entender a integração destes activos no fundo como geradora de potencial rentabilidade futura e também de amortização de dívida.

Qual é a fatia de cada um dos quatro bancos no fundo?

É uma matéria sujeita a reserva, mas não têm todos uma participação igual. O fundo está montado como um fundo de capital variável, que poderá atingir um montante total de mil milhões de euros em termos de dimensão. Estamos ainda muito aquém disso. No momento actual, está integralmente investido pelos quatro bancos um valor que se aproxima de metade do valor total, abaixo dos 500 milhões. Esse é o valor que está comprometido investir. O momento efectivo do investimento acontecerá mais tarde, cumpridas que estejam algumas condições.

A ideia é mais tarde vender estes activos?

Um fundo tipicamente é desenhado para um dia ter uma venda. Não é algo que esteja na primeira linha das nossas prioridades, mas se vier a acontecer significa que fomos bem-sucedidos. Essa venda poderá ter muitas formas, desde uma disseminação de capital ou o surgimento de algum operador da indústria que queira tomar uma posição de controlo ou de parceria. Não vemos de forma nenhuma este projecto como qualquer espécie de arrumação de activos sem valor para os bancos. Pelo contrário, vemos uma alternativa de criação de valor, face ao que seriam as perspectivas de cada uma das empresas isoladas.

Tendo em conta esse objectivo de venda, qual é o intervalo de tempo ideal para a concretizar?

Vivemos tempos muito complexos para traçarmos cenários futuros. Não tenho expectativa de que seja algo que nos mobilize nos próximos anos. Temos aqui um período, entre três e cinco anos, em que a preocupação será a consolidação enquanto grupo empresarial e a sua afirmação nos vários mercados, com capacidade para gerar negócio rentável.

Em que fase está a renegociação com o Estado das subconcessões do Baixo Alentejo e Algarve Litoral, onde a Edifer é accionista?

As negociações estão a decorrer e a nossa expectativa é que seja possível, na senda do que já aconteceu com as outras subconcessionárias, assinar a muito curto prazo o memorando de entendimento com a Estradas de Portugal.

A muito curto prazo significa nos próximos dias?

Pela minha parte, do ponto de vista da Edifer, gostaríamos de já o ter assinado.

Quais os obstáculos?

Não lhes chamaria obstáculos. Todos estes processos têm uma dinâmica própria. Não conheço os casos das outras subconcessões, pelo que não posso fazer comparações. Cada uma terá a sua dinâmica própria. Há alguns aspectos a serem ajustados para constarem do memorando de entendimento.

Que argumentos está o Governo a utilizar nas negociações?

Há uma situação que nos foi colocada, que é a que o Governo tem transmitido publicamente, sobre a necessidade de descer os encargos. E pode-se perguntar: "O que é que a subconcessionária tem a ver com isso?" A minha resposta é: "Tudo." Não vale a pena colocar a cabeça na areia como a avestruz e dizer que temos um contrato assinado, que não tenho de me preocupar com o assunto e a outra parte que cumpra com o acordo. Porque se essa tivesse sido a postura das subconcessionárias mais não estávamos do que a alimentar uma bomba-relógio cujos estilhaços nos acabariam por atingir. Uma insustentabilidade da Estradas de Portugal ou das contas públicas relativamente aos compromissos assumidos nesta área iria traduzir-se, mais tarde ou mais cedo, em situações de incumprimento.

A renegociação é uma espécie de um instinto de sobrevivência?

É uma necessidade que se coloca às subconcessionárias de serem agentes activos num processo que evite uma ruptura.

O que é que falhou nestas PPP? O processo foi mal conduzido? Porque afinal é possível reduzir os encargos...

Temos de considerar dois temas distintos, e no caso de um deles, o das ex-Scut, a Edifer não tem nenhuma participação. A Monte Adriano e a Hagen têm algumas participações nesses projectos, mas são muito minoritárias e, neste momento, não tenho informação. Isto para dizer que sobre o tema das ex-Scut não me pronuncio porque neste momento não há da nossa parte um envolvimento directo. Quanto às que envolvem a Edifer, o cerne da renegociação que hoje está a ser conduzido passa por assumir, como tem sido dito pelo Governo e pela Estradas de Portugal, que haja investimentos que ainda possam ser interrompidos e que haja um determinado tipo de prestações futuras ao nível da manutenção e da operação que possam ser efectuadas em condições mais rentáveis directamente pela Estradas de Portugal, por efeitos de sinergia. Se me perguntar "o que é que mudou?", mudou, naturalmente, uma orientação política e uma visão do impacto que isto tinha para o país.

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