A geração dos políticos profissionais chegou ao poder e isso tem riscos

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Portas, Passos e Sócrates iniciaram a vida política na Juventude Social Democrata Foto: Nuno Ferreira Santos

Carreiras baseadas em cargos de nomeação política, pouca experiência profissional e fraca autonomia face aos partidos são perversos, dizem os analistas. Mas as “jotas” também têm virtudes.

Portugal está a assistir às primeiras gerações de políticos profissionais no poder, oriundos das juventudes partidárias e com reduzida experiência profissional fora da política. José Sócrates, anterior primeiro-ministro socialista, Paulo Portas, ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do CDS-PP, e Passos Coelho, actual chefe de governo, todos iniciaram a vida política na Juventude Social-Democrata (JSD). A JS serviu como alavanca para António José Seguro, actual secretário-geral do PS, ou António Costa, presidente da Câmara de Lisboa. Elogiadas por uns e diabolizadas por outros, as “jotas” são a grande escola dos políticos profissionais, importantes para o rejuvenescimento dos quadros dos partidos, mas fonte de carreiras focadas exclusivamente na política, como as descrevem os analistas ouvidos pelo PÚBLICO. Já os líderes das juventudes reconhecem que existem casos de carreirismo político, mas defendem o seu contributo para o debate político.

André Freire, investigador do Centro de Investigação e Estudos Sociológicos do ISCTE, e António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, estão de acordo num ponto: a profissionalização dos políticos é uma faca de dois gumes. Freire explica que as ‘“jotas” são “um canal para atrair os jovens para a participação política e os socializar nos valores da democracia”, mas, por outro lado, alerta para os perigos do carreirismo político, que Costa Pinto considera contribuir para “uma profissionalização acéfala e dependente das direcções dos partidos”.

A história da democracia portuguesa está temporalmente desfasada da de países europeus com maior historial democrático, explica Costa Pinto. As primeiras gerações de políticos pós-25 de Abril viveram a juventude em ditadura, com a participação política marcada pela clandestinidade. Com a democracia, as juventudes partidárias são uma realidade e torna-se natural a filiação dos jovens. Assim se explica que muitos dos actuais políticos tenham construído o seu currículo a partir delas. “É uma inevitabilidade do decurso do tempo”, comenta Pedro Alves, secretário-geral da JS.

André Freire é da opinião que, “em percursos exclusivamente feitos na política, os traços negativos tendem a sobressair”, salientando que os políticos de carreira desenvolvem um “autismo” relativamente aos problemas da sociedade. “As pessoas sem experiência profissional revelam um handicap de conhecimento da sociedade e não podem funcionar como um elo de ligação entre esta, a decisão política e o Estado”, frisa.

Duarte Marques, líder da JSD, reconhece que há casos de “carreirismo político” nas “jotas”, mas prefere valorizar a formação política que ali é feita, uma vez que “os ratos de biblioteca não têm sucesso imediato na vida política e pública, porque não lidam com pessoas, expectativas e emoções”. Ao invés, António Costa Pinto alerta para o perigo de quadros políticos profissionais formados nas juventudes. Este processo “afasta a decisão política da realidade da sociedade civil”, ressalva o investigador, que sublinha a diferença entre as realidades nacional e internacional: “A falta de instrução e formação dos políticos portugueses face ao panorama internacional, como em França ou na Alemanha.”

Falta de autonomia

A escassa experiência profissional demonstrada por alguns políticos assume contornos alarmantes, quando “só serve para enfeitar o currículo”, nas palavras de Costa Pinto. Para Freire, isto desemboca numa “falta de conhecimento do terreno”. Pedro Alves não discorda, mas explica o fenómeno com “menor exigência em assegurar que uma pessoa tem de ter uma vida profissional”. Para o líder da JS, “não se pode dispensar uma fatia da população, para mais a que nos governa, de ter essa experiência profissional”. Porque, sublinha, “não basta ser bom militante, bom dirigente e bom ministro”.

André Freire insiste nos perigos da profissionalização dos políticos a partir das juventudes. As nomeações para gabinetes ministeriais e para empresas da administração local são os casos mais comuns no preenchimento do currículo dos militantes das “jotas”. Com a agravante de que a dependência da vida política “gera um problema de autonomia e independência face aos partidos”.

Uma das explicações para nomeações de quadros das “jotas” para cargos públicos prende-se, de acordo com Miguel Pires da Silva, líder da Juventude Popular, com a necessidade de nomear pessoas de confiança política. “É natural que lugares de preponderância política sejam ocupados por pessoas de confiança dos governantes”, afirma, ao mesmo tempo que rejeita o favorecimento injustificado nas nomeações. O jovem centrista sublinha, no entanto, que “não se deve olhar para os políticos como seres extraterrestres que têm de ter uma legislação própria e uma conduta própria”.

Pedro Alves, que além de líder da JS é deputado, aponta a limitação de mandatos como forma de restringir o carreirismo político, já que “obriga a uma renovação e que as pessoas não fiquem dependentes da vida pública e política para sobreviverem”. Já o líder da JSD Duarte Marques é apologista de “medidas para endurecer a responsabilidade política e criminal dos decisores públicos”, colocando entraves ao aproveitamento dos cargos públicos para benefício próprio.

Mas a tendência para fazer carreira política a partir das juventudes não é exclusiva dos partidos de poder. Costa Pinto refere que os militantes dos outros partidos parlamentares também iniciam a formação dos quadros desde tenra idade.

André Luz, da direcção nacional da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), admite que uma das finalidades deste órgão é o “rejuvenescimento dos quadros do PCP”, rejeitando, contudo, a existência de boys no partido. “Os deputados do PCP não recebem o salário de deputado, mantêm aquele que recebiam nas funções que desempenhavam antes de serem eleitos”, recorda.

O BE é o único partido com assento parlamentar sem juventude partidária. Leonor Figueiredo, membro da coordenação dos jovens estudantes do BE, explica a opção: “Os jovens estão integrados no partido, somos militantes como todos os outros e estamos presentes em todos os processos de discussão.” Para a bloquista, “no BE vê-se a política como uma forma de activismo e não para promover carreiras políticas”, acrescentando que “não há qualquer imposição por parte do partido, não havendo um comité central”.

Militância nas associações de estudantes põe em causa a independência?

O ensino superior é um dos temas mais próximos das “jotas” e a militância partidária e em alguns momentos penetrou intensamente nas associações de estudantes. Pedro Alves, da JS, conta que nos anos 80 as associações “assumiam que eram controladas por determinado partido”. Mas hoje defende que “as juventudes partidárias não se devem intrometer no associativismo estudantil”. No sentido inverso, Leonor Figueiredo, do BE, denuncia que “as ideologias partidárias são levadas para dentro do associativismo”, acusando os dirigentes de serem “entraves” ao seu desenvolvimento. Pedro Alves reconhece que uma parte considerável dos estudantes que integram as associações militam nas “jotas”, mas desvaloriza a situação. “O bichinho da participação política tem uma dimensão viral”, justifica. Opinião partilhada por Miguel Pires da Silva, da JP. O centrista refere ainda que “o único interesse que a JP tem nas associações é ajudá-las, servi-las e dar-lhes voz junto do poder político”.

Duarte Marques, da JSD, contraria o cenário descrito pela bloquista. “As principais academias de estudantes conseguem manter uma relação de independência no que toca ao desempenho das suas funções, mantendo na mesma direcção membros do BE, JCP, JS, JSD e JP”, diz o social-democrata. Acrescenta que o associativismo “põe o interesse dos estudantes à frente da cor partidária”.

O comunista André Luz reconhece que “o PCP continua a ter muitos camaradas a participarem em associações do ensino superior”, mas garante que a pluralidade e independência na representação dos estudantes estão asseguradas.

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