Proteína infecciosa da doença de Alzheimer foi vista a passar de neurónio para neurónio

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Têm surgido novos olhares sobre os mecanismos da doença de Alzheimer DR

Cientistas da Suécia conseguiram ver, usando neurónios coloridos, que uma proteína se transmite no cérebro como se fosse uma infecção, desencadeando a doença de Alzheimer. É o segundo artigo científico numa semana que aponta para o mesmo sentido: esta doença é causada por proteínas que se tornam "infecciosas" e se acumulam no cérebro.

O primeiro trabalho era da equipa de Stanley Prusiner, o cientista que descobriu as proteínas infecciosas, ou priões, e ganhou por isso o Prémio Nobel da Medicina em 1997. Agora, a equipa de Martin Hallbeck, da Universidade de Linköping, na Suécia, conseguiu observar, nas suas experiências, como é que essas proteínas se transmitem entre neurónios.

A doença de Alzheimer provoca a deterioração progressiva e irreversível das funções cognitivas, como a memória, a linguagem e o pensamento. Embora nalgumas famílias seja hereditária, 90% dos casos não têm causas identificadas. Atinge mais de 90 mil portugueses, segundo a associação Alzheimer Portugal.

A doença caracteriza-se sobretudo pela formação de placas no cérebro, compostas pela proteína beta-amilóide, que cria agregados tóxicos à volta dos neurónios. Debate-se há anos se a beta-amilóide é a causa ou a consequência da doença.

Mas na semana passada a equipa de Prusiner avançou na compreensão da Alzheimer: propôs, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), que os depósitos de beta-amilóide são priões.

A história dos priões está ligada às encefalopatias espongiformes, como a doença das vacas loucas e a Creuzfeldt-Jakob, a sua equivalente humana. Prusiner, da Universidade da Califórnia, propôs que estas doenças tinham uma causa infecciosa - mas que não se deviam nem a bactérias nem a vírus. Eram proteínas capazes de se replicarem, mesmo sem terem material genético, a que chamou priões. Nas encefalopatias espongiformes, Prusiner mostrou que os priões de uma certa proteína no cérebro (a PrP) conseguiam converter a sua congénere normal e originar as encefalopatias espongiformes. Durante anos, viu a proposta recusada pela comunidade científica, mas valeu-lhe o Nobel.

No artigo na PNAS, a equipa de Prusiner quis saber se na doença de Alzheimer, na qual também está envolvida uma proteína, ocorria o mesmo. Os cientistas injectaram acumulações de beta-amilóide no cérebro de ratinhos geneticamente predispostos para a Alzheimer. Ao fim de uns meses não só verificaram que os depósitos tinham aumentado como se tinham propagado a todo o cérebro dos animais. Essa disseminação é dos primeiros passos da doença. Com esta mudança de paradigma face à Alzheimer, dizia a equipa, talvez se desvendem os seus mecanismos, para a propagação dos priões.

Agora, a equipa de Martin Hallbeck relata na última edição da revista The Journal of Neuroscience como conseguiu provar que pequenos agregados (oligómeros) de beta-amilóide se propagam de neurónio para neurónio - "algo que muitos investigadores tentaram fazer antes, mas não conseguiram", diz Hallbeck, num comunicado da sua universidade.

Células às cores

Nas suas experiências, esta equipa injectou pequenos agregados de beta-amilóide em neurónios de rato cultivados em laboratório. Como os agregados estavam tingidos por uma tinta vermelha fluorescente, no dia seguinte os cientistas viram que os neurónios na vizinhança também já tinham ficado da mesma cor.

Para testarem se os neurónios doentes seriam capazes de infectar outros, fizeram experiências com neurónios humanos: desta vez, tingiram-nos com uma tinta verde e misturaram-nos com outros, que já estavam vermelhos depois de terem recebido a beta-amilóide. Ao fim de um dia, quase metade das células verdes tinham estado em contacto com as vermelhas e, nos dois dias seguintes, a equipa viu cada vez mais neurónios verdes doentes. Por exemplo, os seus axónios, os prolongamentos que transmitem os impulsos nervosos a outros neurónios, perderam a forma. Mas os que não apanharam os agregados não foram afectados.

"Pela primeira vez, mostrámos que a beta-amilóide oligomérica é transferida entre neurónios. A transferência ocorre através dos processos neuronais que ligam os neurónios. Isto consegue explicar como é que a doença se propaga de uma área do cérebro para a próxima e assim sucessivamente", diz Martin Hallbeck ao PÚBLICO. "Também mostrámos que as únicas células que ficaram doentes são as que receberam a beta-amilóide, o que explica por que é que apenas certas áreas do cérebro ficam doentes. Porém, não há qualquer indicação de que a doença de Alzheimer é contagiosa entre pessoas."

Ao dizer-se que a beta-amilóide é infecciosa, Hallbeck receia que se pense que se transmite entre pessoas. "Não há qualquer prova disso. Mas, no cérebro, ela tem propriedades infecciosas, como os priões."

A beta-amilóide é então a causa directa da Alzheimer? "Sim, penso que causa a Alzheimer. Na forma comum e esporádica da doença, será preciso um processo adicional para promover a agregação da beta-amilóide, que talvez esteja relacionado com a idade", diz-nos o cientista, que explica ainda as diferenças entre os seus resultados e os de Prusiner. "Ao injectar beta-amilóide numa área do cérebro, Prusiner mostrou que a patologia surgirá noutras áreas. Mas não provou se isto é um mecanismo indirecto [da doença] ou se é de facto causado directamente pela beta-amilóide. Nós demonstrámos isso."

Hallbeck espera que o seu trabalho permita ir ainda mais além: "Como os nossos resultados explicam como progride a Alzheimer, esperamos que permitam travar a progressão da doença. Se a impedirmos de se espalhar a outras áreas do cérebro, o doente poderia ficar com o nível cognitivo da altura do diagnóstico."

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