Dentes de um australopiteco revelam que roía cascas de árvores

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O tártaro extraído dos dentes do Austrolopithecus sediba permitou desvendar a sua dieta Paul Sandberg/Universidade do Colorado

Afinal, o Austrolopithecus sediba comia casca de árvores e madeira, uma dieta misteriosa que ainda não tinha sido encontrada em nenhum outro antepassado do homem estudado até agora, revela um artigo publicado na última edição da revista Nature.

O Austrolopithecus sediba é o australopiteco que se conhece há menos tempo. Quando foi notícia em 2010, pela descoberta de dois fósseis seus, ele ficou posicionado num ponto-chave da árvore da evolução humana. Agora, a descoberta de que estes hominídeos tinham uma alimentação semelhante à dos chimpanzés que hoje vivem nas florestas provoca o espanto.

“O que me fascina é que estes indivíduos são casos estranhos”, disse um dos autores do artigo, Matt Sponheimer, do Departamento de Antropologia da Universidade do Colorado. “Estava bastante convencido de que de há quatro milhões de anos para cá a família dos nossos parentes hominídeos tinha uma dieta que diferente da dos grandes símios [chimpanzés ou gorilas] que estão vivos, mas agora não tenho tanta certeza.”

Os dois fósseis de Austrolopithecus sediba foram encontrados em 2008 em Malapa, num sítio arqueológico a 40 quilómetros de Joanesburgo, na África do Sul, rico em fósseis. Eram as ossadas de uma fêmea, que teria entre os 20 e tal e os 30 e poucos anos, e de um jovem que estaria entre os nove e os 13 anos.

Se eram mãe e filho e como é que caíram numa gruta não se sabe, pelo menos por agora. O que se conhece é que estes dois indivíduos viveram há quase dois milhões de anos. Passearam-se pela Terra muito depois de ter aparecido a primeira espécie de australopiteco conhecida, com 4,2 milhões de anos, e de Lucy, uma Austrolopithecus afarensis que viveu há 3,2 milhões de anos.

A partir dos fósseis dos ossos dos dois indivíduos, os cientistas analisaram as suas características anatómicas e concluíram que tinham características de australopitecos, como cérebros e corpos pequenos, braços longos e mãos fortes. Podiam trepar às árvores, mas tinham as pernas longas, tal como o género Homo, indicando que seriam bípedes. Além disso, tinham traços no crânio e nas ancas comuns ao género humano.

Por isso, eram uma espécie de quimera anatómica na evolução humana. “Estes fósseis são um passo de gigante no conhecimento do nosso género”, disse Eugénia Cunha, antropóloga forense e especialista em evolução humana da Universidade de Coimbra, ao PÚBLICO em 2010, quando a descoberta da espécie foi anunciada. “São uma peça no puzzle que preenche a passagem, muito mal conhecida, entre os australopitecos e os primeiros Homo”, referiu a especialista, que não esteve envolvida nestas descobertas.

Dentes, para que vos quero

Agora, ficou a saber-se um pouco mais sobre a sua dieta. Utilizando lasers, a equipa conseguiu analisar o carbono nos dentes e detectar o tipo de alimentos que estes hominídeos mastigavam. Descobriram que o Austrolopithecus sediba preferia arbustos e árvores, em vez de gramíneas ou plantas herbáceas.

Depois, os investigadores estudaram o tártaro dos dentes dos fósseis, para extrair e analisar os fitólitos – pedaços microscópicos de sílica, excretados pelas plantas, diferentes para cada espécie e que se podem acumular nos dentes. A análise dos fitólitos mostrou que aqueles australopitecos alimentavam-se, além de folhas e frutos, de madeiras de várias espécies de plantas.

Os cientistas concluíram que aquela região, há dois milhões de anos, era um bosque e que aqueles hominídeos poderiam ter uma dieta parecida com a dos chimpanzés de hoje, e diferente de qualquer outra espécie de australopiteco ou de Homo.

“A dieta é um dos aspectos fundamentais de um animal, que condiciona o comportamento e o nicho ecológico”, explica Paul Sandberg, co-autor do estudo. “A informação dos fitólitos sugere que os indivíduos Austrolopithecus sediba estavam a evitar as gramíneas que cresciam em campo aberto”, diz.

“A nossa amostra é demasiado pequena para ser conclusiva”, defende por sua vez Matt Sponheimer. Mas o sítio arqueológico de Malapa, ainda muito pouco escavado, já provou que tem muitos fósseis para dar. “A frequência com que Malapa está a cuspir fósseis de hominídeos faz com que esteja razoavelmente certo de que não vamos precisar de mais dois milhões de anos para aumentar a nossa informação.”

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